24 de dezembro de 2025
Entrevista da semana

Prosas e versos para além dos hospitais

Guilherme Tavares
| Tempo de leitura: 5 min

Em tempos de pandemia, assessorar a comunicação institucional de um hospital certamente é uma tarefa desafiadora. Agora, imagine executar esse trabalho não em uma, mas em oito unidades públicas de saúde. Essa foi a missão encarada pela jornalista e escritora Elaine de Souza, 46 anos, assessora de imprensa da Fundação para o Desenvolvimento Médico e Hospitalar (Famesp). Em Bauru, a organização gerencia o Hospital Estadual (HE), o Hospital de Base (HB), a Maternidade Santa Isabel e o Hospital de Campanha (HC). Também é responsável por três Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMEs) em Bauru, Tupã e Itapetininga. E, em Botucatu, administra o Centro de Reabilitação Lucy Montoro. 

Junto com outros quatro profissionais, Elaine integra a equipe de comunicação de todo esse complexo. E bagagem para atuar com informação e saúde ela tem de sobra. Começou a carreira como estagiária na assessoria de imprensa do Centrinho/USP a convite do antigo gestor, José Alberto Freitas, o Tio Gastão. Permaneceu 16 anos e chegou a faturar prêmios por reportagens publicadas no Jornal da USP.

Teve passagens pelo extinto diário Bom Dia e chegou a trabalhar uma temporada na Tribuna do Cricaré, Espírito Santo. Há nove anos, tornou-se assessora dos principais hospitais públicos de Bauru. Tanto que, entre os jornalistas, ela é a Elaine da Famesp. Mas, para os amigos e na literatura, ela é a Nane de Souza. "Todo mundo tem um pouco de escritor. Às vezes, é só questão de ser provocado", afirma a autora, com participação em três antologias já publicadas.

Também mantém, desde 2006, o projeto Casa Midiática, uma escola de cursos voltados principalmente para a área de comunicação.

Nascida na Capital Paulista, Elaine seguiu o caminho de muitos estudantes da Unesp: veio a Bauru cursar Jornalismo e por aqui ficou. Atrás dela, vieram as três irmãs Roberta, Bruna e Dayane e a madrinha, Leonilda Luiz, considerada mãe de criação. Dos pais, Luiz Carlos de Souza e Creusa da Silva Souza, falecidos, sente saudades. Com os sobrinhos Bryan e Yasmin, diverte-se sempre que pode. Separada, hoje vive com os três cachorros. Nas horas vagas, gosta de meditar e cozinhar. A seguir, confira um pouco mais desta trajetória:

Jornal da Cidade - Durante a pandemia, o quanto ficou mais difícil trabalhar como assessora em hospitais?

Elaine de Souza - Foi um desafio enorme. A gente teve que trabalhar bastante. Primeiro, veio o medo. Todo mundo tinha que ficar em casa e a gente tinha que estar lá, justamente em um hospital referência para Covid (Hospital Estadual). Mas, aos poucos, até pelo contato com os médicos, você descobre que o risco de estar lá era quase o mesmo de um supermercado lotado. Então, tornou-se mais uma questão emocional, por estar vendo tantas pessoas sendo internadas, intubadas e morrendo. E o trabalho foi construído passo a passo. Fomos nos atualizando, vendo o que dava pra fazer. Mas, às vezes, nos intervalos, nos corredores, era choro, tristeza. Foi difícil manter a estrutura emocional.

JC - A saúde pública é historicamente contestada. A vidraça aumentou na pandemia?

Elaine - Na verdade, acho que diminuiu um pouco, porque houve um entendimento da sociedade que o HE teve que se transformar. Me arrisco a dizer que, nesse período, o SUS foi revalorizado. É um sistema que não tem igual e a gente critica. Para o assessor, é um trabalho muito difícil. Mas, durante a pandemia, as pessoas passaram a entender melhor o papel do trabalhador da saúde.

JC - Quanta experiência profissional foi possível extrair de tudo isso?

Elaine - Acho que nem foi tanto como assessora, foi mais pessoal mesmo. Porque você se fortalece de um lado. Vê tantas histórias e aprende muito olhando o outro. Com tudo isso, durante a pandemia, veio uma busca maior pela escrita. Era uma coisa que eu já queria há bastante tempo, estava parada e, de repente, eu tinha mais elementos. Chega um momento que bate uma angústia de querer contar histórias. É uma vazão, não a mera pretensão de publicar.

JC - Mas a primeira experiência literária foi durante a pandemia?

Elaine - Na verdade, eu sempre escrevi. Os ensaios começaram lá atrás, ainda no Jornal da USP, pois eram textos mais literários. Fiz cursos, comecei a me interessar pelo assunto. O primeiro livro mesmo foi lançado em 2019, quando participei de uma antologia. Depois, participei de outra publicação em 2020 e mais uma, em 2021, sempre em prosa. Gosto de crônicas cotidianas. Passei por uma trajetória espiritual após alguns acontecimentos. Em 2016, tive uma gravidez na trompa e precisei passar por uma cesárea. Escrevi sobre isso, pois esse tipo de luto não é falado. Logo depois, começou o tratamento do meu pai contra um câncer. Eu pensava que tinha que contar essas histórias, comecei a mergulhar e, quando surgiu mais tempo, me dediquei mais a isso.

JC - Escrever traz quais benefícios a você?

Elaine - Acho que é a troca, onde me sinto mais realizada. As pessoas, quando são convidadas ou estimuladas, sempre têm algo a escrever. Todo mundo tem um pouco de escritor. Às vezes é só questão de ser provocado, inspirado. E o jornalista entrega demais, é treinado para revelar. Já a escrita mais literária não, tem que ter mistério, revelar não revelando. Agora, estou fazendo algo na poesia, que é arriscadíssimo. Tem muito exercício, transpiração, mas também é se permitir. 

JC - Além da escrita, quais planos você tem em mente?

Elaine - O projeto mais concreto no momento ainda é a Casa Midiática. Desde 2006, já capacitamos mais de 3 mil alunos complementando conhecimentos práticos da faculdade com oficinas e workshops. Na pandemia, muita coisa mudou. Mas, mantemos os cursos de media training presencial, com turmas bem pequenas. Próximo semestre quero retomar cursos de escrita e tentar promover o projeto Mente Sã. É uma espécie de café filosófico, um local de encontros temáticos para exercitar o debate e o livre pensamento.