Bem-aventurados os pobres, porque o Reino de Deus é de vocês" (Lucas 6.20). "Mas ai dos ricos, porque já receberam consolação!" (Lucas 6.24). Leia os versículos acima atenta e repetidamente. À luz desses versículos, seria correto afirmar que Deus ama os pobres em detrimento dos ricos? Talvez isso seja exagerado. Seria, então, correto dizer pelo menos que Deus têm uma preferência pelos pobres, como o têm afirmado diversos teólogos ao longo dos séculos? Aliás, quem são os pobres referidos no texto de Lucas? Será que os ricos vão para a danação eterna por já terem recebido sua quota de bênçãos nesta vida, como a parábola do rico e de Lázaro parece supor (Lc 16.19-31)? Existe duplicidade de significado nessas palavras de Jesus? Afinal pessoas ricas também andaram e foram apoiadoras de Jesus como Zaqueu, o Centurião e José de Arimatéia, além das mulheres abastadas que contribuíram com seu sustento. Essas palavras de Jesus têm sido alvo de diversos e profundos estudos hermenêuticos.
TESES
Tendo em vista a complexidade do assunto é evidente que esse artigo se presta apenas a uma introdução ao assunto. Primeira tese que cada leitor poderá explorar em seu particular estudo bíblico é que pobreza e riqueza são parte de um tema complexo mais amplo no escopo bíblico. Segundo, os conceitos de "pobre" e "rico" nas palavras de Jesus contêm em si aspectos tanto econômicos, mas muito mais espirituais, considerando que em Mateus 5.3 Jesus afirma que - "Bem-aventurados são os 'pobres de espírito', porque deles é o reino dos céus". Jesus fala da singeleza de espírito, como contrário ao espírito arrogante e soberbo que o mundo apresenta, afinal não existe nenhuma possibilidade de alguém cheio de si tomar posse do "Reino de Deus" sem antes se esvaziar de todo o seu orgulho e prepotência. Jesus parece mostrar ao que reconhece a sua miserável condição de pecador, que a estes pertence o "Reino". Então Jesus chama de "Bem-aventurados" aos que não se auto vangloriam. Nesse aspecto uma característica do "pobre" é saber que não existe autogoverno nele, mas sim uma disposição à carência e à submissão a Deus e sua palavra. Em terceiro, a forma correta de aplicar o ensino dessas palavras de Jesus é permitir que o evangelho faça uma reversão em nossa ética pessoal e comunitária e, então, nos faça agir de acordo com esse novo conjunto de valores.
ANÁLISE
No contexto de Jesus os discípulos eram a sua audiência primária, logo os pobres seriam aqueles que seguiam Jesus e os ricos os líderes religiosos que oprimiam aqueles que seguiam a Deus. De maneira clara, o conceito de pobre nessa mensagem de Jesus no evangelho de Lucas com suas nuances mais religiosas do que econômicas, não se aplica ao descrente faminto desse terceiro milênio. O fato de alguém ser economicamente pobre não resulta em ser aceito no reino de Deus caso insista em marginalizar, em sua existência pobre, o próprio Deus. Ainda que muitos harmonizam a interpretação do conceito de pobre no ensino de Jesus como sendo tanto espiritual quanto socioeconômica, a nossa análise vê o conceito do pobre de Jesus não como indivíduos escassos de riqueza econômica, mas como um grupo composto pelos que sofrem rejeição justamente por causa de Jesus. O grande pregador inglês Martyn Lloyd-Jones interpreta essa passagem como aquela pessoa pobre de espírito que se vê incapaz de entrar no reino de Deus por seus méritos, por isso carece da graça salvífica oferecida por Jesus. Claro que o pobre no sentido material, os pobres de bens econômicos e materiais, são normalmente os mais receptivos ao evangelho de Jesus, sem dúvida que esses são identificados nos evangelhos como pessoas que sempre reagem positivamente à mensagem de Jesus. Portanto o "ai" de Jesus em seu discurso aos discípulos não foi dirigido para eles, mas para as elites que não olham para outra coisa que não seja a satisfação dos seus próprios desejos, entusiasmados com suas riquezas, assim não enxergam a necessidade de um tesouro no céu assegurada pela graça de Jesus. Por fim, Jesus não tem aversão por ricos; mas é justamente por causa do amor por eles que os adverte sobre o perigo que suas riquezas representam. Nas palavras de Jesus as riquezas sempre representam um obstáculo para o reino de Deus (Lucas 18:18-30), pois o rico não precisa contar com Deus para prover as suas necessidades, dessa forma, sob grande perigo, sua riqueza toma o lugar de Deus em sua vida.