O Paradoxo da Escravidão Voluntária
A frase "Nada é mais incompreensível do que ver homens livres admirando regimes que negam a sua própria liberdade" funciona como um diagnóstico preciso da condição humana. À luz da ciência política, tal atitude parece mera contradição lógica. Sob a ótica da teologia, porém, esse fenômeno não só se torna inteligível como também se revela tristemente previsível. A admiração pela tirania não é simples ingenuidade sociológica, mas expressão de uma patologia espiritual enraizada na "Queda".
Herman Bavinck, em sua Dogmática, recorda que o ser humano é incuravelmente religioso. Fomos criados para adorar e servir. Quando, em rebelião, o homem rejeita a soberania de Deus (Gn 3), ele não se torna autônomo. Apenas troca de senhor. O trono do coração nunca permanece vazio. Quando Deus é excluído, o espaço é ocupado por ídolos. Entre eles, de modo recorrente, surgem o Estado e as ideologias políticas, que reivindicam devoção total e confiança última.
Paulo descreve essa dinâmica em Romanos 1.25: "eles mudaram a verdade de Deus em mentira e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador". Quando homens politicamente livres flertam com regimes opressores, buscam no governo o que somente Deus pode conceder: segurança última, provisão estável e sentido para a existência. Repete-se o drama de 1 Samuel 8. Israel rejeita o governo direto de Deus e pede um rei humano para "ser como as outras nações". Em troca da liberdade da teocracia, assume o jugo da monarquia, que logo se mostra pesado e invasivo.
John Piper, ao formular o chamado "hedonismo cristão", afirma que o pecado consiste em buscar a alegria suprema em fontes inferiores. O pecado promete prazer e segurança, mas entrega vazio e morte. O coração não regenerado, seduzido por tais promessas, está disposto a sacrificar a liberdade concedida por Deus no altar da "segurança" prometida por tiranos. Piper também lembra que a verdadeira liberdade não é licença para fazer o que se quer, mas capacidade de fazer o que se deve para a glória de Deus. Ainda assim, o coração caído deseja as "cebolas do Egito" (Nm 11.5). Prefere a escravidão com o estômago cheio à liberdade no deserto, que exige fé na providência divina.
A admiração por regimes que negam a liberdade revela incredulidade. É a confissão velada de que a mão de ferro de um governante seria mais confiável para ordenar a vida social do que a graça comum de Deus, que atua por meio da responsabilidade moral e da liberdade humana. As Escrituras ensinam que o governo civil é instituição divina (Rm 13.1-7). Ele existe para restringir o mal e promover o bem público. O problema emerge quando o Estado ultrapassa seus limites e assume funções que não lhe pertencem. Na visão bíblica, a liberdade não é um fim absoluto, mas um meio para que o ser humano cumpra o mandato cultural e adore a Deus sem coerção indevida. Quando um regime passa a controlar consciência, economia e família, ele usurpa prerrogativas que pertencem apenas ao Senhor.
Admirar tal regime é, em termos teológicos, um ato de deslealdade radical. Confere-se a homens falíveis um senhorio que o Novo Testamento reserva exclusivamente a Cristo. A palavra de Jesus permanece normativa: "Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22.21). O totalitarismo nasce quando César exige aquilo que é de Deus. A tragédia maior ocorre quando homens livres aplaudem esse roubo. Martinho Lutero, em Nascido Escravo, sintetiza essa condição ao afirmar que a vontade humana, sem a graça, está cativa.
A resposta bíblica e pastoral a esse quadro não é otimismo antropológico, mas o evangelho de Cristo. O cristão valoriza instituições livres porque crê no imago Dei, a imagem de Deus no ser humano, que floresce melhor sob responsabilidade e liberdade do que sob coerção e culto ao Estado. Assim, a defesa cristã da liberdade não se fundamenta no individualismo secular, mas no reconhecimento de que somente Deus é absoluto. Todo governo humano é relativo, limitado e provisório. A admiração irrestrita por qualquer regime revela deslocamento de adoração. Cabe ao cristão manter discernimento e reservar sua lealdade última apenas ao único Reino que, sendo absoluto, gera verdadeira liberdade: o Reino de Deus. "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão" (Gl 5.1).