OPINIÃO

Quem lê textão?

Por Roberto Magalhães |
| Tempo de leitura: 2 min
O autor é professor de redação, autor de obras didáticas e ficcionais

Tamanho é documento sim senhor! Hoje mais do que nunca. Não pense que falo do falo. Não falo. Falo do textão que ninguém mais lê. Bateu o olho no tamanho, desistiu. Os romancistas, os roteiristas, os articulistas estão se descabelando. Como fisgar leitores tão apressados? Como lhes dizer profundidades se só no raso querem nadar? A ansiedade nos roeu todas as unhas. Não se suporta mais qualquer fração de minuto. Esperar virou tortura. Total impaciência de ler, preferimos consumir manchetes. Fugimos dos amigos pensantes, mais ainda dos tagarelas. A gente não quer conversa, só botão de apertar e resolver. Pensar para quê? A inteligência artificial pensará por nós. E quem orará por nós?

Desistimos de um website se não abrir em segundos; de um vídeo se não carregar imediatamente. Na Argentina, o microteatro faz sucesso. Pudera, as peças não duram mais do que 15 minutos. E pensar que o filme Cleópatra (1969) durava quatro horas e seis minutos. E o romance Crime e Castigo, de Dostoiévski, dava câimbra no dedo do leitor, nada menos do que quinhentas páginas. Agora, só queremos textinhos, frasezinhas, continhos, croniquinhas... Assim, nos tornamos leitorezinhos que, molhando apenas a canela, não podem conhecer a real profundidade do rio.

Mario Vargas Llosa, num ensaio de rara lucidez, caracterizou esse momento chamando-o de "A civilização do espetáculo". Para fugir do tédio, do estresse e da ansiedade, estamos transformando tudo em entretenimento. Shows musicais lembram as festas dionisíacas gregas. Cultos religiosos foram igualmente transformados em shows midiáticos exibindo a mesma catarse. Tudo virou light, literatura , cinema, teatro... Na telinha da tevê, escasseiam intelectuais e sobram "influencers", "chefs" e "celebridades". A vida virou lambida de sorvete.

Não é de estranhar que a insônia não saia mais da nossa cama. Que o caminho da farmácia seja cada vez mais recorrente. Que um consumismo desvairado tente inutilmente espantar a depressão, o vazio, a solidão. Num mundo de alta conectividade tecnológica, estamos sós. Objetos demais, alegria de menos. Violência generalizada, guerras insanas, eventos climáticos extremos, o mundo pegando fogo literalmente. Haja pílulas, álcool, drogas, selfies de caras e bocas... Está doendo muito. Haja analgesia.

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