O pior cego é aquele que acha que vê. E, por ser assim tão cego, vive abrindo a torneira das certezas e das verdades cristalinas. Essa urgência de explicar a vida, como tranquilo jogo de quebra-cabeça, nasce do horror que temos ao vazio. Não suportamos mínima lacuna. Aliás, a expressão latina "horror vacui" (horror ao vazio) explicita o porquê de o barroco ser a estética do exagero. Uma profusão de detalhes preenche nas obras da época todos os espaços possíveis.
Assim somos diante de qualquer vazio, compulsivamente teremos que preenchê-lo. Pouco importa se com narrativas pueris, se com remendos grosseiros, se com soluções analgésicas. E assim o fazemos porque pensar dói e é perigoso. Tira-nos o chão dos pés, anemiza-nos as crenças mais enraizadas, enche-nos os travesseiros de incômodas interrogações. Pior, tira-nos a chupeta da boca.
Então nos apressamos a criar respostas rápidas, costuradas e bordadas a nosso favor. Tudo porque não conseguimos aceitar a absurda escuridão, a miséria da finitude, o labirinto sem saída, o nascer para morrer. Tapamos os buracos, acendemos as luzes e enchemos a sala de visitas com as mais diversas teorias. Depois, acreditando estar tudo resolvido e curadas as feridas, vestimos o nosso pijama listrado, e bocejamos um sonolento boa-noite. E, por mais que na cama rolemos, não conseguiremos dormir.
Impossível o sono quando nenhuma palavra é final. Toda afirmação já traz, no próprio ventre, a respectiva contradição. Dizer A é chamar B. Dizer sim é provocar o não. A singularidade é uma pobre utopia diante da antagônica beleza plural. Só o entrechoque de ideias é fertilizante. Somos diferentes, pensamos diferentes, a verdade não é coisa que se leve no bolso.
Estaremos sempre enunciando perguntas sem respostas, envolvidos por contradições insolúveis. Tudo é e, ao mesmo tempo, não é. O economista e filósofo Eduardo Giannetti ajuda-nos finalizar esse raciocínio, que por certo abrirá espaço para bem vindas vozes contrárias: "As respostas humanas, por mais certas e louváveis que sejam, são lenha profana. Só a chama da busca é sagrada."