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ENTREVISTA
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Relojoeiro há mais de 60 anos
Relojoeiro há mais de 60 anos
Considerado o profissional da área mais antigo em atividade em Bauru, aos 81 anos, ele manuseia com destreza e delicadeza peças milimétricas
Considerado o profissional da área mais antigo em atividade em Bauru, aos 81 anos, ele manuseia com destreza e delicadeza peças milimétricas
Tisa Moraes

Nem mesmo uma cirurgia recente de hérnia fez Orivaldo Bellucci se afastar por muito tempo de todo o "arsenal" que utiliza para consertar e recuperar relógios, inclusive peças antigas de colecionadores. Aos 81 anos, completados no último domingo (7), o profissional mantém a rotina de ir diariamente à sua loja, na quadra 1 da rua Campos Salles, onde ainda exibe habilidade no minucioso trabalho iniciado há mais de seis décadas.
Considerado o relojoeiro mais antigo em atividade em Bauru, ele demonstra agilidade e boa memória ao relembrar histórias dos inúmeros relógios de parede, incluindo alguns 'cucos", que donos desistiram de buscar e ele expõe e cuida até hoje. Já em sua mesa de trabalho, segue combinando destreza e delicadeza para manusear, sem uso de óculos ou lentes de aumento, peças milimétricas que formam a engrenagem de relógios de pulso.
Nascido em São Manuel, Bellucci veio morar em Bauru ainda bebê. Aqui, casou-se com a professora aposentada Tania e com ela teve as filhas Ana Amélia, 39 anos, e Mariana, 35 anos. Ao longo de sua trajetória pessoal e profissional, vivenciou a transformação do mercado de relógios entre o século passado e os tempos atuais, dominados por smartwatches e assistentes virtuais.
Nunca deixou, no entanto, de se atualizar. Nesta entrevista, ele relembra como era o ofício na época em que começou, ainda na adolescência, fala das mudanças ao longo dos anos e dos dois assaltos que sofreu. Apesar do trauma, garante que os episódios não o deixaram perder a fascinação pelo tique-taque que ele ainda pretende ouvir por muito tempo.
Orivaldo Belucci (o menor, ao centro) com os irmãos Conceição, Janir, Orlando e Laurindo, com a mãe Amélia Maria (carregando Lourdes no colo) e o pai Brancácio
Bellucci com a esposa Tania, no dia do casamento
JC - Como começou a trabalhar com conserto de relógios?
Bellucci - Meu irmão mais velho, Orlando, estava sempre na relojoaria Suíça e falou com o dono. Primeiro foi para lá meu outro irmão, José Roberto, e depois, eu. Comecei a trabalhar quando tinha mais ou menos 16 anos. Entrei sem ganhar nada, só para aprender, porque o patrão não sabia como eu iria me sair. Mas, depois de 15 dias, ele começou a me pagar metade do valor do serviço. Quando tinha cerca de 18 anos, eu e o José Roberto abrimos nossa própria relojoaria, na quadra 2 da avenida Alfredo Maia, onde compramos uma 'portinha' que era uma quitanda. Ele se especializou em relógio de pulso e eu também fazia, além de consertar despertadores, coisas mais delicadas. Há uns 50 anos, mudamos a loja para a rua Campos Salles, ele decidiu ir embora para Cerqueira César e eu continuei aqui.
JC - Quando se apaixonou verdadeiramente pela profissão?
Bellucci - A gente trabalhava com relógio mecânico. Era complicado, mas uma delícia. Fui aprendendo a gostar conforme aprendia e descobri que também me dava bem lidando com os clientes. Eu sempre brinquei muito com eles. Esta é uma profissão que você precisa gostar para fazer bem. Hoje, conserto todo tipo de relógio, incluindo os de parede, grandes, e os de pulso. A maioria é item antigo, de colecionador.
JC - Como o senhor comentou, seu talento foi recompensado rápido pelo primeiro patrão. A que atribui esse reconhecimento?
Bellucci - Precisa ter a mão leve para mexer com coisas delicadas. No dia a dia, a gente manuseia peças minúsculas, itens de linha suíça. E precisamos usar pinças de pontas muito finas. Na época em que comecei, todo mundo tinha relógio e a gente tinha tanto serviço, que precisava levar trabalho para casa nos fins de semana, para dar conta de tudo.
JC - Muita coisa mudou de quando o senhor começou até os dias atuais, em que existem relógios digitais e até assistentes virtuais que informam a hora certa. Como o senhor lidou com estas transformações ao longo do tempo?
Bellucci - Fui aprendendo, acompanhando, conforme as preferências iam mudando. Antes, mexia nas peças pequenas, nas engrenagens do relógio mecânico. Hoje, também mexo na bobina, no circuito dos relógios eletrônicos. Porém, no caso destes últimos, a grande maioria não compensa consertar, porque a troca do circuito é praticamente o preço da máquina.
JC - O senhor também chegou a trabalhar com venda de joias. O que o fez desistir deste ramo?
Bellucci - Eu vendia bastante correntinha, mas, há uns 30 anos, meu irmão e eu fomos assaltados e chegaram a encostar um revólver na boca dele. Em uma segunda vez, eu estava sozinho e um rapaz entrou, me ameaçou com uma faca e pegou todo o dinheiro do caixa. Tive muito medo. Mas ainda faço uns consertos.
JC - O senhor nasceu em Bauru mesmo? Conte um pouco da sua origem.
Bellucci - Nasci em São Manuel, mas vim para Bauru com meus pais e meus nove irmãos quando ainda era um bebê de colo. Meu pai era funcionário da antiga Estrada de Ferro Sorocabana e minha mãe, dona de casa. Ainda adolescente, trabalhei quase cinco anos em uma madeireira, mexendo com coisas mais leves, até começar a trabalhar na relojoaria Suíça. A gente morava no meio do mato - perto da região do Cemitério Jardim do Ypê e, depois, na Vila Dutra - e só consegui estudar até o quarto ano (do ensino fundamental). Meu pai morreu quando eu tinha 5, 6 anos e, assim que crescíamos um pouco, tínhamos que ajudar a sustentar a casa, porque minha mãe (também já falecida) estava sempre doente.
JC - E, além do trabalho, o que o senhor gostava de fazer?
Bellucci - Quando jovem, gostava de ir aos bailes para dançar, em Piratininga, Agudos, aqui em Bauru, no Automóvel Clube. Também ia à praça. Na época, tinha a rua Batista de Carvalho para os que tinham uma situação financeira melhor e a rua Primeiro de Agosto, para quem tinha renda mais baixa. Eu também gostava bastante de pescar. Higiene mental igual beira de rio não existe. Mas fui parando depois que casei, há 41 anos. Fui convencido pela esposa a ficar mais tempo em casa nos fins de semana.
O relojoeiro praticando outra de suas paixões: a pesca
Nem mesmo uma cirurgia recente de hérnia fez Orivaldo Bellucci se afastar por muito tempo de todo o "arsenal" que utiliza para consertar e recuperar relógios, inclusive peças antigas de colecionadores. Aos 81 anos, completados no último domingo (7), o profissional mantém a rotina de ir diariamente à sua loja, na quadra 1 da rua Campos Salles, onde ainda exibe habilidade no minucioso trabalho iniciado há mais de seis décadas.
Considerado o relojoeiro mais antigo em atividade em Bauru, ele demonstra agilidade e boa memória ao relembrar histórias dos inúmeros relógios de parede, incluindo alguns 'cucos", que donos desistiram de buscar e ele expõe e cuida até hoje. Já em sua mesa de trabalho, segue combinando destreza e delicadeza para manusear, sem uso de óculos ou lentes de aumento, peças milimétricas que formam a engrenagem de relógios de pulso.
Nascido em São Manuel, Bellucci veio morar em Bauru ainda bebê. Aqui, casou-se com a professora aposentada Tania e com ela teve as filhas Ana Amélia, 39 anos, e Mariana, 35 anos. Ao longo de sua trajetória pessoal e profissional, vivenciou a transformação do mercado de relógios entre o século passado e os tempos atuais, dominados por smartwatches e assistentes virtuais.
Nunca deixou, no entanto, de se atualizar. Nesta entrevista, ele relembra como era o ofício na época em que começou, ainda na adolescência, fala das mudanças ao longo dos anos e dos dois assaltos que sofreu. Apesar do trauma, garante que os episódios não o deixaram perder a fascinação pelo tique-taque que ele ainda pretende ouvir por muito tempo.
Orivaldo Belucci (o menor, ao centro) com os irmãos Conceição, Janir, Orlando e Laurindo, com a mãe Amélia Maria (carregando Lourdes no colo) e o pai Brancácio
Bellucci com a esposa Tania, no dia do casamento
JC - Como começou a trabalhar com conserto de relógios?
Bellucci - Meu irmão mais velho, Orlando, estava sempre na relojoaria Suíça e falou com o dono. Primeiro foi para lá meu outro irmão, José Roberto, e depois, eu. Comecei a trabalhar quando tinha mais ou menos 16 anos. Entrei sem ganhar nada, só para aprender, porque o patrão não sabia como eu iria me sair. Mas, depois de 15 dias, ele começou a me pagar metade do valor do serviço. Quando tinha cerca de 18 anos, eu e o José Roberto abrimos nossa própria relojoaria, na quadra 2 da avenida Alfredo Maia, onde compramos uma 'portinha' que era uma quitanda. Ele se especializou em relógio de pulso e eu também fazia, além de consertar despertadores, coisas mais delicadas. Há uns 50 anos, mudamos a loja para a rua Campos Salles, ele decidiu ir embora para Cerqueira César e eu continuei aqui.
JC - Quando se apaixonou verdadeiramente pela profissão?
Bellucci - A gente trabalhava com relógio mecânico. Era complicado, mas uma delícia. Fui aprendendo a gostar conforme aprendia e descobri que também me dava bem lidando com os clientes. Eu sempre brinquei muito com eles. Esta é uma profissão que você precisa gostar para fazer bem. Hoje, conserto todo tipo de relógio, incluindo os de parede, grandes, e os de pulso. A maioria é item antigo, de colecionador.
JC - Como o senhor comentou, seu talento foi recompensado rápido pelo primeiro patrão. A que atribui esse reconhecimento?
Bellucci - Precisa ter a mão leve para mexer com coisas delicadas. No dia a dia, a gente manuseia peças minúsculas, itens de linha suíça. E precisamos usar pinças de pontas muito finas. Na época em que comecei, todo mundo tinha relógio e a gente tinha tanto serviço, que precisava levar trabalho para casa nos fins de semana, para dar conta de tudo.
JC - Muita coisa mudou de quando o senhor começou até os dias atuais, em que existem relógios digitais e até assistentes virtuais que informam a hora certa. Como o senhor lidou com estas transformações ao longo do tempo?
Bellucci - Fui aprendendo, acompanhando, conforme as preferências iam mudando. Antes, mexia nas peças pequenas, nas engrenagens do relógio mecânico. Hoje, também mexo na bobina, no circuito dos relógios eletrônicos. Porém, no caso destes últimos, a grande maioria não compensa consertar, porque a troca do circuito é praticamente o preço da máquina.
JC - O senhor também chegou a trabalhar com venda de joias. O que o fez desistir deste ramo?
Bellucci - Eu vendia bastante correntinha, mas, há uns 30 anos, meu irmão e eu fomos assaltados e chegaram a encostar um revólver na boca dele. Em uma segunda vez, eu estava sozinho e um rapaz entrou, me ameaçou com uma faca e pegou todo o dinheiro do caixa. Tive muito medo. Mas ainda faço uns consertos.
JC - O senhor nasceu em Bauru mesmo? Conte um pouco da sua origem.
Bellucci - Nasci em São Manuel, mas vim para Bauru com meus pais e meus nove irmãos quando ainda era um bebê de colo. Meu pai era funcionário da antiga Estrada de Ferro Sorocabana e minha mãe, dona de casa. Ainda adolescente, trabalhei quase cinco anos em uma madeireira, mexendo com coisas mais leves, até começar a trabalhar na relojoaria Suíça. A gente morava no meio do mato - perto da região do Cemitério Jardim do Ypê e, depois, na Vila Dutra - e só consegui estudar até o quarto ano (do ensino fundamental). Meu pai morreu quando eu tinha 5, 6 anos e, assim que crescíamos um pouco, tínhamos que ajudar a sustentar a casa, porque minha mãe (também já falecida) estava sempre doente.
JC - E, além do trabalho, o que o senhor gostava de fazer?
Bellucci - Quando jovem, gostava de ir aos bailes para dançar, em Piratininga, Agudos, aqui em Bauru, no Automóvel Clube. Também ia à praça. Na época, tinha a rua Batista de Carvalho para os que tinham uma situação financeira melhor e a rua Primeiro de Agosto, para quem tinha renda mais baixa. Eu também gostava bastante de pescar. Higiene mental igual beira de rio não existe. Mas fui parando depois que casei, há 41 anos. Fui convencido pela esposa a ficar mais tempo em casa nos fins de semana.
O relojoeiro praticando outra de suas paixões: a pesca
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#EDIÇÃO_500 - 09/06/2023

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