Geral

Jornalista relata tragédia nova-iorquina

(*) José Sacchetta, de NY
| Tempo de leitura: 3 min

José Sacchetta estava próximo do World Trade Center na hora dos ataques. Ele disse que a tragédia é incomparável

É como se tivessem arrasado o Vitória Régia, a avenida Nações Unidas e todos os viadutos da Bauru. Foi isso que senti, bauruense que sou, residente em Nova York. A comparação é apenas arquitetônica. As perdas humanas no desabamento das Torres Gêmeas tornam a tragédia incomparável.

Todos que vivem aqui conheciam alguém que trabalhava no World Trade Center, dois prédios gigantescos, com 110 andares cada, frequentados diariamente por 50 mil pessoas, entre trabalhadores e visitantes. Cerca de cinco mil estão desaparecidos. Seis dias após os atentados, não se tem muita esperança de encontrá-los vivos.

Na terça-feira de manhã, no momento dos ataques terroristas, eu e minha mulher estávamos perto do World Trade Center. Tínhamos acordado cedo para ir ao centro da cidade. Quando saímos do metrô, notamos a nuvem de poeira no ar. As torres desabaram pouco antes.

Corri para lá imediatamente. Tinha que entender o que estava acontecendo. Em poucos minutos, Nova York ficou em pânico. O metrô paralisou, as pessoas foram retiradas dos trens às pressas. As pontes que ligam a ilha de Manhattan ao continente foram interditadas. O comércio fechou e as escolas dispensaram os alunos.

O trânsito ficou impossível. Ambulâncias, carros de bombeiros, tanques de guerra, a guarda nacional, o FBI, sirenes, fumaça e poeira, muita poeira. Uma horda de pessoas tentava, em pânico, se afastar do centro da cidade.

Parecia que a população inteira de Nova York tinha ido para o meio da rua, com medo de permanecer nos edifícios. As notícias eram desencontradas, imprecisas, incompletas. Depois dos seqüestros, do ataque ao World Trade Center, da queda do jato sobre o Pentágono e de outro na Pensilvânia, falavam em novos atentados. Histórias terríveis começaram a surgir, de uma chuva de gente que pulou das torres, pessoas em chamas, 250 bombeiros soterrados.

Quando se soube ao certo a dimensão da tragédia, Nova York entrou em estado de choque. Formaram-se filas gigantescas para doar sangue, as igrejas abriram as portas para receber gente com crise nervosa, os restaurantes doaram seus estoques de água e refrigerantes. Os norte-americanos são incrivelmente solidários nessas situações.

Tentamos ligar para Bauru muitas vezes mas as linhas telefônicas estavam sobrecarregadas e a Internet perdia a conexão. Precisávamos dar notícia às nossas famílias no Brasil. Na manhã seguinte, finalmente consegui falar com minha mãe. Sua casa, nos Altos da Cidade, se transformou numa especie de central bauruense de informações para as famílias e os amigos.

Minha mãe, que deveria viajar para os Estados Unidos na próxima semana, não sabe se virá. Os ataques em Nova York parecem ter ido bem longe, espalhando medo até no Interior de São Paulo.

Não tenho dúvida de que, para a história do mundo, esses atentados iniciaram o século 21. O que houve não foi apenas atos de de terrorismo. Foi destruição em massa, genocídio. E de um tipo que não se conhecia. Como se explodissem o Morumbi durante um jogo, ou o estádio do Noroeste nos seus dias de glória.

Agora Nova York tenta retomar a vida ao normal. Uma das preocupações é o mau cheiro. Nos últimos dias, o ar esteve irrespirável. Minha mulher teve uma crise de sinusite. Nossas gargantas raspavam, os olhos ardiam. O vaso de flores brancas que temos na sacada ficou escuro, de tanta poeira suspensa no ar.

Por sorte, ontem choveu. E depois da chuva, veio a esperança. Mas a paisagem de Nova York nunca mais será a mesma, sem os seus mais altos edifícios. É como pensar o Rio de Janeiro sem o Pão de Açúcar, Brasília sem a catedral ou Bauru sem a Batista de Carvalho.

(*) Especial para o JC: José Sacchetta é bauruense, jornalista, mora e trabalha em Nova Yorque

Comentários

Comentários