22 de dezembro de 2024
ESTADOS UNIDOS

Trump processa jornal por pesquisa que mostrava vitória de Kamala

Por Victor Lacombe | da Folhapress
| Tempo de leitura: 4 min
Reprodução/Instagram @realdonaldtrump

Em uma decisão que deve dar o tom da relação entre a Casa Branca e a imprensa pelos próximos quatro anos, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, abriu um processo contra o jornal Des Moines Register por publicar uma pesquisa que indicava vitória da vice-presidente Kamala Harris no estado de Iowa dias antes das eleições.

O processo foi tornado público nesta terça-feira (17). No documento, os advogados de Trump afirmam buscar "responsabilização pela interferência eleitoral escancarada" supostamente cometida pelo Des Moines Register, periódico da capital de Iowa, e também pela estatística J. Ann Selzer, autora da pesquisa.

O levantamento, publicado três dias antes das eleições, apontava vitória de Kamala no estado com uma diferença de três pontos percentuais. A pesquisa causou surpresa e expectativa de reviravolta na corrida eleitoral, uma vez que a maioria dos outros institutos projetava vitória fácil de Trump em Iowa --se Kamala fosse tão bem em um estado conservador como este, provavelmente levaria os estados-pêndulo, vencendo a eleição.

Além disso, Selzer é considerada uma das melhores e mais acuradas estatísticas do país, o que reforçou a impressão de que poderia haver uma vitória expressiva de Kamala em vários estados. Entretanto, Trump levou Iowa com 55% dos votos, enquanto a candidata democrata marcou apenas 42% --ou seja, uma diferença de 11 pontos percentuais em relação ao levantamento. Selzer anunciou sua aposentadoria após as eleições.

"O aparente erro de Selzer não foi uma coincidência chocante, foi intencional", acusam os advogados de Trump, sem apresentar provas que embasem a afirmação. "Como o presidente [Trump] observou, ela sabia exatamente o que estava fazendo".

O processo pede que a Justiça proíba o Des Moines Register de realizar "atos enganosos e traiçoeiros" em relação a pesquisas eleitorais, sem explicar como isso aconteceria na prática, e exige o pagamento de um valor ainda não definido em danos morais a Trump. O grupo editorial Gannett, dono do Des Moines Register, disse que o processo não tem mérito.

Trump havia dito na segunda-feira (16) que processaria o jornal de Iowa, estado majoritariamente rural vencido por ele também em 2016 e 2020. "Na minha opinião, foi fraude e interferência eleitoral", disse o republicano, que fez novas ameaças à imprensa. "Vai custar muito dinheiro, mas temos que endireitar a imprensa."

O processo veio dias depois do anúncio de que a emissora ABC News, uma das maiores dos EUA, aceitou pagar US$ 15 milhões (cerca de R$ 90 milhões) a uma organização ligada a Trump para encerrar um processo movido pelo presidente eleito em razão de uma fala do âncora George Stephanopoulos.

Stephanopoulos, um dos jornalistas mais conhecidos do país, disse na televisão que Trump foi considerado responsável pelo estupro da escritora E. Jean Carroll nos anos 1990, quando na realidade ele foi considerado responsável por abuso sexual --uma distinção jurídica na lei do estado de Nova York, onde correu o julgamento no qual Trump foi condenado a pagar US$ 5 milhões a Carroll. O republicano recorre da decisão.

Como parte do acordo com Trump, a ABC publicou uma nota editorial afirmando que Stephanopoulos "lamenta os comentários feitos em relação ao presidente Donald J. Trump".

O presidente eleito também mencionou na segunda o processo que move contra a emissora CBS News. Trump pede US$ 1 bilhão em danos morais por uma entrevista feita pela CBS com Kamala durante a campanha eleitoral. Para o republicano, a entrevista foi editada a fim de favorecer a democrata --a emissora nega e pediu que a Justiça arquive o caso.

Juristas apontam que esses processos movidos por Trump não têm muitas chances de prosperar, dada a proteção da legislação americana a jornalistas, dificultando condenações. Em casos de difamação ou calúnia, a lei exige da figura pública a apresentação de provas de que o jornalista tinha ciência que a informação era falsa, algo extremamente difícil de fazer.

No caso de Stephanopoulos, por exemplo, especialistas afirmam que a ABC provavelmente venceria o processo, uma vez que o erro do apresentador poderia ser compreendido como tendo sido cometido de boa-fé.

Entretanto, analistas acreditam que a Walt Disney, dona da ABC News, preferiu pagar a quantia de US$ 5 milhões para evitar novas retaliações de Trump contra a empresa quando o republicano voltar à Casa Branca em janeiro do ano que vem --demonstrando assim uma erosão na proteção a jornalistas e na liberdade de imprensa no país.

Além disso, Trump já disse que a lei de difamação dos EUA deveria ser alterada, e juízes da Suprema Corte, hoje dominada por uma ala conservadora e cada vez mais pró-Trump, sinalizaram estar abertos a rever as proteções a jornalistas.