Eu queria escrever sobre flores, mas nessa semana que passou, mesmo com um feriado no meio e, portanto, com um número menor de dias úteis para o capitalismo, a deputada federal Érika Hilton (PSOL) pautou, no Congresso, uma PEC (Projeto de Emenda Constitucional) que pretende mudar a jornada de trabalho no Brasil.
Hoje, a maioria dos trabalhadores brasileiros faz uma jornada conhecida como escala 6x1, ou seja, com seis dias de trabalho por um dia de folga. As 44 horas semanais previstas por lei são, hoje, consideradas exaustivas demais em grande parte de outros países, que já adotaram jornadas 5x2 (cinco dias de trabalho com dois dias de folga) e até 4x3 (quatro dias de trabalho com três dias de folga).
Mas tão logo a deputada apresentou sua ideia, políticos da direita se negaram a discuti-la simplesmente porque Érika Hilton é de esquerda. Em nenhum momento os deputados da direita pensaram no povo que os elegeu, que trabalha na escala 6x1 muitas vezes para receber um salário-mínimo, que não chega a R$ 2 mil. Justo eles que trabalham na jornada 4x3 e ganham, em média, R$ 40 mil por mês.
Eu queria escrever sobre flores, mais ainda sobre a PEC contra a escala 6 x 1, fui obrigada a ouvir, contra a minha vontade, o argumento de setores que defendem a elite, que a mudança vai “quebrar” a economia do país porque vai “empobrecer” o empregador, o dono dos meios de produção. O mesmo lenga-lenga contra o final da escravidão, contra a aprovação do salário-mínimo, contra a adoção do 13º. salário e, mais recentemente, contra a obrigação de contratação, pela CLT, dos empregados domésticos.
Na verdade, nada que surpreenda em um país com fortes resquícios escravocratas, que foi um dos que mais recebeu pessoas escravizadas e foi um dos últimos a abolir a escravidão.
Eu queria escrever sobre flores, mas aí o chaveiro Francisco Wanderley Luiz achou, em um dos seus delírios antidemocráticos, que poderia bombardear um dos três poderes da República porque, na sua concepção, o governo escolhido nas urnas não era o que ele queria e um ministro específico estava “atrapalhando” a realização dos seus sonhos.
Acreditou mesmo que jogando bombas na estátua da Justiça e ameaçando o prédio do STF (Supremo Tribunal Federal), conseguiria mudar a decisão, nas urnas, da maioria dos brasileiros, justo ele que não teve nem 100 votos para vereador na sua cidade, em Santa Catarina.
Quão doente, psiquiatra e psicologicamente, está um indivíduo que, se vendo contrariado em suas vontades, acredita que a solução é a violência? Quão doente está um grupo que prefere a ditadura à democracia? Quão doente está uma nação que continua sem saber que sua força está na mão de quem efetivamente produz?
Afinal, de que adianta a indústria sem o trabalhador? De que adianta o grande proprietário de terras sem quem plante ou colha? De quem adianta o pequeno comerciante sem funcionário para auxiliá-lo? O dono de escola sem professor?
Valorizar quem te ajuda a crescer, a ganhar dinheiro, a propiciar uma vida digna à sua família é o mínimo que deveria se esperar de um empregador. Aprendi com meu pai, proprietário de terra. Ele teve muitos funcionários na fazenda de café e depois na criação do gado, mas dois em especial ficaram com ele por mais de 20 anos na propriedade rural. Quando se aposentaram, papai, além de pagar todos os direitos trabalhistas, ainda presenteou um com um pedaço de terra, com casa, um pequeno curral, horta e pomar.
Para o outro, que preferiu ir para cidade, papai comprou uma casa e deu um carro. E nos disse: “passei mais tempo com eles do que com meus irmãos, o que construí foi com a ajuda deles, não podia apenas pagar o que a lei determina, porque é pouco”.
Meu pai não era comunista. Nunca foi esquerdista. Pelo contrário. Mas era humano. Está faltando mais humanidade nas pessoas. Só com mais humanidade será possível voltar a escrever sobre flores. Importante: esse texto não é sobre flores.
Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista. Especialista em Didática, mestre em Comunicação e Semiótica, com MBA Internacional em Gestão