04 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Ganhou o benefício do INSS na Justiça? Você pode ter de devolver

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi Franca
| Tempo de leitura: 6 min

Quem busca seus direitos na Justiça, especialmente contra o INSS, sabe bem a importância de uma decisão favorável para garantir o pagamento de um benefício. No entanto, uma nova decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), no final de outubro de 2024, traz um alerta: se o benefício concedido de forma antecipada através de uma tutela de urgência for revogado ao final do processo, o INSS tem o direito de cobrar a devolução do que foi recebido… E o pior: isso pode acontecer no próprio processo, sem a necessidade de um novo! A decisão veio no julgamento dos Embargos de Declaração na Petição nº 12482, e essa mudança pode impactar muitos beneficiários e advogados.

1. Entenda o que mudou e como a decisão afeta você

O STJ já havia consolidado o entendimento de que, se um benefício é recebido de maneira provisória — ou seja, através de uma liminar que antecipa o pagamento — e essa decisão é revertida mais tarde, o beneficiário tem a obrigação de devolver os valores pagos. Agora, o que o STJ decidiu é que essa cobrança pode ocorrer no próprio processo original, sem que o INSS precise mover uma nova ação.

Mas o que é uma decisão liminar ou tutela de urgência?

Esses termos jurídicos representam uma decisão em caráter de urgência que o juiz pode tomar antes mesmo do final do processo. Ou seja, se o juiz entende que o indivíduo tem direito e precisa dessa segurança para ser protegido de imediato, ele pode conceder o benefício provisoriamente. Um exemplo comum: imagine que um segurado entre com um pedido de aposentadoria, ou de Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) ou de um auxílio-doença, ou, ainda, de aposentadoria por invalidez. A análise completa do pedido pode demorar, mas o juiz, ao avaliar o caso, entendendo que, pelos documentos e provas apresentados, o segurado tem direito ao respectivo benefício e, para que ele não fique sem receber esse valor tão necessário para sua subsistência, o julgador decide, por meio de uma liminar, que o INSS comece a pagar o benefício imediatamente.

Essa decisão, no entanto, é provisória, e o INSS pode recorrer. Se o tribunal superior decidir que aquele segurado não tem direito ao benefício ou que o valor é menor, o segurado terá que devolver a quantia recebida. Até então, na prática, o INSS acabava nem indo atrás - na maioria das vezes porque a cobrança era dispendiosa. Ou então, tentava cobrar no próprio processo, mas a Justiça dizia que tinha que entrar com uma ação própria para cobrar (o que raramente ocorria). Com a nova decisão do STJ, essa cobrança pode ser feita dentro do mesmo processo, economizando tempo e recursos para o INSS.

Essa decisão visa simplificar o procedimento, mas para os beneficiários representam um alerta: é preciso estar preparado para uma possível devolução, e a cobrança pode ser descontada de benefícios concedidos no futuro, com um limite de até 30% do valor mensal, conforme a própria legislação (art. 115, inciso II, da Lei 8.213/91).

2. O que os beneficiários precisam saber para se proteger?

A verdade é que ninguém quer se preocupar com uma devolução de valores recebidos, ainda mais num momento de necessidade. Contudo, com essa nova possibilidade de cobrança direta no mesmo processo, tanto o beneficiário quanto o advogado devem adotar algumas estratégias para minimizar o risco de surpresas oferecidas:

          Avaliar o fundamento da liminar: Se a liminar foi concedida em uma situação que parece “limítrofe”, ou seja, onde há dúvidas sérias sobre a continuidade do benefício, redobre a atenção. Consulte com seu advogado quais são os pontos fortes e fracos do seu pedido. Afinal, se a decisão final for negativa, haverá a obrigação de devolver os valores.

          Abrir mão da liminar: Uma estratégia para evitar o risco de devolução é optar por não receber o benefício antecipado e deixar para receber somente após o julgamento final. Esta opção é especialmente válida quando há uma incerteza significativa sobre a manutenção da decisão inicial. Abrir mão da liminar pode ser uma escolha prudente em situações em que a reversão é voluntária, resguardando os beneficiários de um reembolso futuro.

          Planejamento financeiro: Receber um benefício antecipado pode dar a falsa segurança de que a questão está resolvida. No entanto, com a possibilidade de devolução, é prudente ter um planejamento para, caso a decisão seja desfavorável, conseguir reportar esses valores de forma mais tranquila.

          Desconto em benefício futuro: Quando o beneficiário ainda recebe algum benefício do INSS, a devolução pode ser feita por meio de um desconto de até 30% do valor mensal. Isso alivia o peso de uma devolução total de uma só vez, mas ainda assim, é importante estar ciente dessa possibilidade.

3. Os cuidados que os advogados devem ter com os clientes

A atuação do advogado nesse cenário é fundamental para garantir que o cliente tenha plena consciência dos riscos envolvidos. Orientar sobre a precaução financeira e sobre a situação do caso é essencial para evitar prejuízos. Além disso, os advogados devem:

          Explicar os riscos da liminar: É responsabilidade do advogado explicar ao cliente que, mesmo que uma liminar tenha sido concedida, ela é provisória e pode ser revogada. Essa clareza evita que o cliente tenha expectativas falsas sobre o benefício.

          Documentação e prova robusta: Quanto mais bem fundamentado para o pedido do benefício, menores são as chances de uma revogação. Assim, reunir laudos médicos, históricos de contribuições e demais documentos de forma minuciosa pode fortalecer a causa e reduzir o risco de uma decisão desfavorável.

          Avaliar situações de boa-fé: Em alguns casos, pode-se argumentar que o beneficiário recebeu o benefício de boa-fé, pois acreditava que realmente tinha direito ao valor. Embora a decisão do STJ seja clara quanto à devolução, o conceito de boa-fé pode ser relevante, especialmente se o INSS tentar recuperar valores antigos ou em caso de mudança de posição.

4. Há escapatória para quem recebe o benefício e teve a liminar revogada?

Muitas pessoas se perguntam se há alguma maneira de evitar a devolução. A resposta direta, infelizmente, é que a decisão consolidada pelo STJ determinou que sim, a devolução é devida. No entanto, existem algumas nuances:

          Modulação de efeitos em casos especiais: Em situações em que ocorreu uma mudança drástica na revisão durante o processo, pode haver a possibilidade de argumentar pela modulação dos efeitos da decisão, ou seja, a decisão poderia, eventualmente, não exigir a devolução em casos de longa duração e de boa fé. Mas atenção: essa é uma situação excepcional e depende do entendimento de cada juiz ou tribunal.

          Acordo para devolução parcelada: Quando a decisão é para a devolução, pode-se solicitar que o valor seja descontado mensalmente de outro benefício ativo, em um limite de até 30%, para que o impacto seja menos agressivo.

5. Conclusão: esteja preparado e seja proativo!

A decisão do STJ é um lembrete poderoso para todos que obtêm benefícios através de decisões liminares. Embora a antecipação de um benefício seja muitas vezes necessária, ela traz riscos e requer cuidados. Por isso, o planejamento e a transparência entre advogado e cliente são essenciais. A boa notícia é que, com uma boa orientação, é possível caminhar por essas situações com mais segurança e, principalmente, evitando surpresas desagradáveis.

Se você está em uma situação semelhante ou tem dúvidas sobre um benefício concedido judicialmente, busque orientação com um advogado especialista em Direito Previdenciário, de sua confiança. É sempre melhor prevenir do que remediar – e no caso do INSS, isso pode evitar uma dívida inesperada no futuro.

Tiago Faggioni Bachur é advogado, especialista e professor de direito previdenciário e autor de obras jurídicas