21 de novembro de 2024
Opinião

Contracultura


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Incomodar é inerente à identidade cristã. Em matéria de hábitos e práticas religiosas, ninguém desassossegou mais, e ainda inquieta, que Jesus Cristo. Sua interpretação da Palavra de Deus e, de modo todo especial, o jeito de viver a inspiração divina, incomodavam tanto adversários como os próprios amigos que conviviam com ele. Curioso, Jesus não era nenhum rebelde, movido por paixões ambiciosas. Nem por fanática ideologia. Seu inconformismo nascia de um desejo profundo de restaurar o ser humano à sua original dignidade, paradoxalmente deformada por ambíguas leituras bíblicas e manipuladas práticas religiosas. Urgente era ajustar ensinamentos e revisar escolhas. O ápice dessa catequese deu-se nos diálogos sobre sua paixão, morte e ressurreição que o Mestre mantinha, principalmente, com seus mais próximos colaboradores. Enquanto o pensamento profano entende vitória como derrota e submissão de adversários, na logística divina a humanidade somente encontraria rumo e paz na medida em que as pessoas conseguissem esquecer-se de si em favor do semelhante. O símbolo visível dessa mudança de hábitos, autêntica contracultura, indicado pelo próprio Messias, era a cruz!
A crucifixão retrata uma das mais infames torturas inventadas, e aplicadas, contra o ser humano. Nada a admirar o inconformismo dos discípulos diante das repetidas previsões comentadas pelo Mestre Jesus. Mais confusos ficavam, quando o Rabi insistia que a condição fundamental para o discipulado era, justamente, abraçar a cruz e seguir seu exemplo. Enquanto o egocentrismo persistir absoluto, enquanto as ambições pessoais perdurarem soberanas, enquanto as vaidades continuarem a imperar, não há como garantir convívios pacíficos e camaradagens harmoniosas. O crucifixo, em sua evangélica dimensão, é o símbolo máximo da contracultura cristã!
Diversos logradouros públicos exibem a imagem de Jesus na cruz! Em vários desses espaços, a cruz de Cristo é profanada! Longe de inspirar abnegação e genuíno respeito pelo cidadão, mudança de hábitos em suma, em muitos desses logradouros campeia o abuso do poder, a corrupção, sem pudor e sem limites, é a moeda corrente, direitos básicos são, irreverentemente, espezinhados. Em muitas dessas instâncias, o Todo-poderoso é homenageado por lábios e palmas, enquanto o coração persiste distante. Não é pela cerimoniosa entronização de crucifixos, tampouco de exemplares de Bíblias, que se professa a fé cristã e se propagam valores evangélicos, mas, sim, por atitudes concretas de consideração pelo outro e por posturas interpeladoras de genuíno interesse pelo semelhante. Por autêntica e abnegada caridade, em suma. Ao abraçar livremente a cruz, e convocar seus seguidores a seguirem seu exemplo, o Senhor Jesus lança as fundações da contracultura cristã, que entende soberania como serviço, excelência como renúncia! Desassossegar é inconfundível indicativo da presença cristã!

Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba