22 de dezembro de 2024
Crônica

Esta gente nossa (posta) no anonimato


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Estava sentado na muretinha que apara o canteiro de plantas junto ao muro. Justamente na quina de encontro das duas partes do muro em esquina. Passo atrás do receptor de lixo. Era dia da coleta. Antes mesmo de eu chegar à lixeira, ele já me saudou: “E aí menino? Beleza? Tou tomando um fôlego aqui debaixo dessa... desse ipê, não é? Lindão, hein?! É aí o seu quintal? Beleza mesmo, viu. Esse deve ser um da espécie de ipê gigantes... Manjo um pouco dessas coisa. Não sô estudado com diploma e tal, mas vivido. Dando meus pulo, aprendeno de um tudo pra ir conseguino uns bom emprego. E, olha, se tem sujeito que correu mundo, taqui um diante de vossa pessoa.

?Magro, pardo. Um panamá surrado na cabeça. Nariz achatado. Bigodinho tipo Lupicínio Rodrigues. Riso constante enquanto fala por uma boca cujas arcadas dentárias exibem apenas o incisivo central inferior. Chinelos de dedo.

?É.  aposentado, sim. Corri trecho desse mundão veio, moço. Argentina. Uruguai. Chile. Canadá. México. Chicago. É sério. Pode crê. Motorista. Caminhão truck! Conhece, né? É. Bicho macho. Pesado, mas leve. Depende de quem sabe manejá o marmanjo! Leva, numa boa, toneladas. Não. Quase só fiz isso na vida. Comecei como geralmente começa gente de poco ou de nada estudo, né? Faiz o que aparece. Desemprego sempre foi o nosso dilema. Então carpi quintal, limpano data de chácra. Fui, depois, servente de pedrero. Maisassim que pude, me mandei. Gostava daquilo, não. Aí, comecei numa firma de transporte mais pequena, carregano e descarregano caminhão. Não, não era saquero, não. Era o que a transportadora pegasse de frete. Mas não trabalhava com esse tipo de carga, não. Daí, aprendi dirigi. Consegui tirá carta pra condução pesada. E aí aconteceu dum motorista da firma, um amigo meu, gostava dele, a gente se intendia. Ele me dava, nuns pedaço das viage a direção. Lá um dia brigô com o gerente. A coisa foi ficano feia, ele acabô pedino as conta. Na verdade, já tava meio ingatilhado notra firma. Aí eu não tive dúvida. Pedi pro gerente me dá aquela vaga. Ele acabôaceitano pra mim fazê uns dias de teste. Eita!, moço. Eu dirigia no maior capricho, fazia tudo no regrado. Cabei contratado. Trabaiei muitos ano lá. Os patrão sempre gostanodi mim. Foi  um dia o tio de minha esposa, lá de São Paulo, que trabaiava nessa grande impresa, ela tem filiau  naqueles países que te falei. Falô qui tavam contratano motorista da caminhãozão. É os trucão, né. Eu fui fazê os teste. Sabe que que deu? Fui contratadu, moço. Empregão. E tinha vez, que, virô e mexia, eles começaro a me mandá, eu e mais dois lá da firma, pra um daqueles países pra ajudá na firma lá. Tinha vez que eu ficava uns treis quatro mês por lá. Por que mandavam a gente, eu num sei bem não... Mais é que os muito motorista lá tirava férias, licença, essas coisa, que aqui a gente quasinum sabe nem o que é... É, pode sê. Ocê pode tá certo. Se o dinhero lá deles é sempre maior do que o da gente, o salário deles é bem maior que o nosso, né. Mais era bom, viu. Eu gostava muito. A esposa, não, mais sabia que era um bom emprego, dava uma vida boa pra gente, e então tinha de aturá, né?

?É. Agora  aposentado. O diabo é que o salário ficônaquilo e mais baixa com o passar do tempo. A gente tem que ir economizano mais, a vida ficano com mais dificuldade. Mais só eu e ela, a gente vai se segurano. Olha, agora ocê vai pensá que vô tá mentino, mais pode crê, e de verdade mesmo. Sabe quantos ferro eu tenho no corpo? Trinta e dois! Não!... Espera só um (bu)cadinho, eu te explico rápido. Pois veja, só. Uns... quase trinta ano de motorista de trucão... aqui e lá fora..., nunca que dei um arranhãozinho siquê, tanto no meu caminhão como em qualquer otro carro! Pra ocê ver como são as coisa nessa vida. Não é que uns seis mês mais ou menos de aposentado, me procuraro pra ser chofer de uma senhora viúva de grande fazendeiro daqui falecido. A fazenda fica em Coxim. Pois, tudo ia bem, até que um dia justamente um caminhão entrô de repente na contramão. Eu nem sei como tirei o que pude, mais tava muito encima. Quebrei o braço esquerdo, a perna e o jueio direito. Nove ferro pra endireitátudo. Fiquei no meio da ferrage. A patroa, no banco de trás quebrô só o dedo indicador da mão esquerda e trincô  o braço,luxô um ombro. Ficô boa logo. Eu, vinte dia de hospital. Dissero que o caminhonero foi processado e o patrão dele teno que pagá os prejuízo tudo, inclusive as conta do hospital.Mais depois ficou tudo bem, sarei. E aí quando saí do hospital um filho dela veio me falá que não precisava mais dos meu serviço... e tal. Eu insisti muito pra sabê por causa de quê, uai. Ele foi enrolano, enrolano, aí quando viu que aquilo não colava, falô que na verdade a mãe ficô traumatizada e não tinha mais corage deu sê seu motorista. Bom, falei, paciência, fazê o quê, né mesmo? Eu tava dirigino certinho, ela mesmo não cansava de falá. Aí se acabô que ficô assim... Mais... te conto dos otro ferro. Não... Digo rápido... Foi com o gol caneludo que eu tinha. Me pegaro de novo numa saída dumcanavial dano em cima já da estrada. Eu vinha numa boa... Ah!, não... conto rápido... Bom... então tá certo. Prazer te conhecê, viu?... fica com Deus!

 

Tito Damazo é professor, doutor em Letras e poeta, membro da UBE (União Brasileira de Escritores) e membro da AAL (Academia Araçatubense de Letras)