22 de dezembro de 2024
Opinião

As Olimpíadas de Paris e as vitórias das mulheres

Por Ayne Regina Gonçalves Salviano | Especial para a Folha da Região
| Tempo de leitura: 3 min

Uma das três filhas do seu Poseidonio José de Souza Neto era muito agitada. Ele não teve dúvidas. O ex-judoca levou a menina para o tatame desde muito cedo. Mas como ela era maior dos que as outras crianças, treinava com os adultos em Peruíbe, cidade litorânea de São Paulo. 
Quando Bea estava entre atletas, era só alegria. Mas fora do universo do esporte, a menina negra também enfrentava a gordofobia, ela foi ridicularizada diversas vezes. Não esmoreceu. Mudou-se para São Paulo aos 15 anos, foi atleta de clubes e tornou-se sargento no Exército. Na última sexta-feira, Beatriz Souza sagrou-se campeã de judô na categoria até 78 quilos nos Jogos Olímpicos de Paris e fez um discurso emocionante que dá para resumir assim: “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Antes da consagração, a ginasta Lorrane Oliveira também precisou vencer outras batalhas, entre elas o luto recente pela irmã mais nova que faleceu enquanto a atleta já estava treinando na França para competir com a equipe brasileira. Pela primeira vez na história, o Brasil conquistou uma medalha, de bronze, na ginástica artística por equipe com Lorrane, Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Jade Barbosa e Júlia Soares. 
Aliás, a própria Flávia Saraiva, a Flavinha, precisou se superar durante a competição, quase nos momentos finais. Diante de milhões de espectadores, ela sofreu uma queda no aquecimento das barras, abriu o supercílio, que sangrou, e teve um hematoma preocupante no olho. Não foi o suficiente para abalar a ginasta. Ela competiu com um sorrisão no rosto e conseguiu as notas necessárias para a equipe medalhista. Também terminou a competição entre as 10 melhores ginastas do mundo.
E todos devem conhecer também a trajetória de luta da Rebeca Andrade. Quem a vê hoje, linda, poderosa, única mulher brasileira a acumular mais medalhas em Jogos Olímpicos, pode até se esquecer do seu começo sofrido: filha de uma empregada doméstica, mãe-solo de sete filhos, Rebeca precisou fazer muito sacrifício para chegar ao topo, incluindo uma separação desde muito pequena da família que amava justamente para treinar.
A história de Larissa Pimenta foi igualmente marcada pela dor. A judoca medalhista de bronze na categoria até 52 quilos teve que vencer o luto da avó, sua maior incentivadora, para prosseguir no esporte. Ela continua dedicando todas as suas vitórias para a avó.
Nenhuma luta dessas atletas pode ser desconsiderada. Mas, talvez, a que a corredora dos 800 metros rasos, Flávia Maria de Lima, está travando durante a competição seja a mais difícil, justamente porque as Olimpíadas de Paris podem tirar-lhe a guarda da única filha, de 6 anos.
É que o ex-marido usa, na justiça, toda viagem de competição da atleta para alegar um abandono parental. Como Flávia precisou participar de várias competições para se classificar para a prova, já são vários os documentos no processo da Justiça. A história é tão absurda que choca e comove até quem está de fora dela.
É claro que os atletas homens medalhistas merecem toda honra e glória, a começar por Willian Lima, prata no judô categoria até 66 quilos e Caio Bonfim, prata na marcha atlética, premiação inédita para o país (e todos os demais medalhistas até o final da competição).
Mas eles que me desculpem, essa Olimpíadas é das mulheres, porque são em maior número na delegação, porque têm a maior quantidade de medalhas (por enquanto), mas especialmente porque precisam vencer muitas outras competições na vida antes de vencerem no esporte.

Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista. Especialista em Metodologia Didática, mestre em Comunicação e Semiótica, com MBA Internacional em Gestão.