22 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Carta Aberta ao Hospital de Amor de Jales

Especial para a Folha da Região
| Tempo de leitura: 3 min
Pixabay

O diagnóstico de câncer ainda é muito difícil de ouvir. Apesar dos avanços da ciência, da medicina, da indústria de equipamentos para exames e cirurgias, e da indústria farmacêutica, a doença ainda é muito estigmatizada.
Quando esse diagnóstico vem acompanhado das palavras “raro”, “não-cirúrgico” e “sem tratamento”, o chão escapa dos nossos pés e paramos de respirar por minutos, que parecem uma eternidade. Na verdade, morremos um pouco nessa hora.

Recebemos uma notícia como essa em julho do ano passado. Junto com ela, houve uma sequência de internações e emergências. Nossa vida virou de cabeça para baixo. Havia uma escolha: testar um tratamento alternativo, sem comprovação científica, que até poderia acelerar a morte, ou aceitar o tratamento paliativo, aquele que cuida do doente e não da doença. Qual escolher?

Nossa mãe, aos 81 anos, ciente de tudo, tomou a decisão de ficar na sua casa, no seu cantinho, na sua cidade, com suas amigas, e receber o atendimento do Hospital de Amor (antigo Hospital do Câncer) Unidade de Jales, onde ela já tinha sido operada, anos antes, de um câncer de pele. A cirurgia e o acompanhamento pós-cirúrgico por anos até a sua liberação foram cruciais para ela desejar o atendimento de qualidade naquele hospital.

Eu sabia pouco sobre o tratamento paliativo. Como profissional da Comunicação, me baseava no significado da palavra: paliativo, aquilo que atenua, acalma (mas não resolve). Fui buscar, então, informação na obra da médica Ana Claúdia Quintela Arantes, a principal voz defensora do Tratamento Paliativo no Brasil.

Ao mesmo tempo que lia os livros, passei por entrevistas com a equipe de Tratamento Paliativo do Hospital de Amor de Jales. Depois da análise das dezenas de exames e da biópsia, e de uma entrevista com a minha mãe, fomos acolhidas pelos doutores Jeferson e Yngredh, pelos enfermeiros Antônio e Camila, e pela psicóloga Bianca. 
Em todos os nossos encontros nesse período de um ano, no hospital ou no atendimento domiciliar, sempre houve muito profissionalismo, mas especialmente muito carinho, muito afeto, muita humanização. Não havíamos encontrado isso antes nas consultas particulares com os médicos especialistas e professores de medicina do país, nem nas internações pelo convênio que mamãe pagou por uma vida inteira.

Seu melhor atendimento foi pelo SUS. Mamãe teve o melhor tratamento possível, que lhe devolveu qualidade de vida por um ano (quando o prognóstico era de apenas um mês), em um hospital público, especializado, com profissionais altamente capacitados, com direito a consultas, exames, medicação, tudo de forma gratuita. Não existe nada similar no mundo como o SUS.

A equipe de Tratamento Paliativo do Hospital de Amor de Jales acolheu a minha mãe e, também, cuidou de nós, da família, dando informações claras, objetivas, diretas, atenciosas, com compaixão. 
Nesse um ano de acompanhamento, deslocaram-se dezenas de vezes para vê-la em casa. Levaram até nós, medicamentos e equipamentos. Nos orientaram sobre todas as etapas da doença. Mamãe foi tratada em casa, rodeada pela família, repleta de amor, como ela queria.

Quando a doença se agravou há poucos dias, estávamos preparados para sua morte, que ocorreu em paz. As filhas estavam juntas com ela, em oração. Não houve desespero. Escrevo esse texto quando completa 7 dias da sua partida e sinto saudades, mas não dor.

Esse texto é um agradecimento público ao Hospital de Amor – Unidade de Jales, em especial à Equipe de Tratamento Paliativo. Mas é também uma conclamação aos leitores das cidades atendidas pelo hospital – Araçatuba incluída – para que valorizem o SUS, valorizem o Hospital de Amor e busquem formas de ajudar para que esse serviço continue existindo e atendendo cada vez mais pessoas necessitadas.

Ayne Regina Gonçalves Salviano é jornalista, especialista em Didática, mestre em Comunicação e Semiótica, com MBA em Gestão