21 de julho de 2024
AUTOCUIDADO

Priorizar saúde mental em vez de status e dinheiro é tendência

Por Nathália Sousa |
| Tempo de leitura: 3 min
Vasilis Caravitis / Unsplash
As promoções no trabalho geralmente são acompanhadas de uma carga maior de trabalho e responsabilidade, o que faz com que muitas pessoas rejeitem

Algo impensável há alguns anos é cada vez mais real: recusar um emprego ou uma promoção no trabalho. Isso, porém, é mais frequente a cada dia e o motivo principal é a saúde mental. O estudo global Talent Trends, da consultoria Michael Page, ilustra esse cenário em números que impressionam: 56% dos trabalhadores brasileiros recusariam uma promoção para preservar seu bem-estar. A pesquisa indica que estamos acima da média mundial, que é de 48%, e dos países da América Latina, de 43%.

Diante desse desejo por equilíbrio entre trabalho e qualidade de vida, o estudo também mostrou que o Brasil lidera no trabalho presencial com maior frequência e 54% disseram que atuam de forma presencial por exigência da organização. A proporção também é maior que a média global (53%) e da América Latina (49%).

Opção

Atuando hoje na área de tecnologia, Julia Marques, de 32 anos, recusou uma promoção na área em que atuava antes, de vendas. “Eu já estava na companhia há cinco anos. Em 2021, estava há três anos na empresa e buscava já uma promoção, mas todos os gestores da empresa sabiam que eu não queria ser gerente de vendas, porque tenho uma filha pequena e sabia que o impacto não seria positivo pela carga que a vaga geraria. Me fizeram a oferta para o processo interno e fui, porque queria ser gerente, mas não de vendas. Passei no processo seletivo, mas, quando me ofereceram o cargo de gerente de vendas, recusei.”

“Com a promoção, ganharia 25% a mais de salário, mas pesou para mim não aceitar por alguns motivos, principalmente pelo fato de eu ter uma filha pequena e na vaga não teria muito tempo com ela. No fim, foi a melhor decisão que poderia tomar, porque depois de um ano surgiu outra oportunidade, que para mim é melhor, e é o cargo em que estou hoje”, relata ela.

Julia acredita que a recusa só seja possível quando se tem uma certa posição social, mas percebe um movimento de quem prefere a vida mais leve. “Existe um conflito geracional. Meus pais foram criados para trabalhar, sustentar a família e gerar patrimônio. Antigamente, não se falava muito em saúde mental, porque na época dos meus pais eles eram criados em uma situação muito difícil.Eles demoraram muito para comprar uma casa, mas faziam questão de ter uma casa. Nossa geração passou a falar em saúde mental. Essa questão já existia, mas começamos a perceber que não adianta ter dinheiro e morrer cedo. Hoje você vê as pessoas falando mais sobre qualidade de vida do que dinheiro, deixando a vida corporativa para fazerem o que gostam. Quando recusei a vaga de gerência, meu pai disse que eu tinha enlouquecido, mas teria enlouquecido se estivesse na vaga”, conta.

Para ela, as mudanças recentes nas empresas, como o home office e inclusão, são boas, mas precisariam ser aplicadas de maneira diferente. “O home office é maravilhoso, porque eu fico mais tempo com a minha filha, mas você está em casa e no trabalho. Em uma pausa de 15 minutos, em que você tomaria um cafezinho no trabalho, em casa você vai colocar roupa para lavar, por exemplo. Hoje eu acho que as empresas falam mais sobre saúde mental, inclusão, mas, por outro lado, nossos gestores são realmente treinados para absorver essa mudança?”, lembra.

Implicação

Psiquiatra, Elizangela Nissola diz que a saúde mental, como em casos de pessoas que têm burnout, síndrome causada pelo trabalho, é muito importante para a tomada de decisões. “Quando o paciente está com burnout, não adianta oferecer promoção, não adianta oferecer um cargo melhor, um salário melhor. Ele, mesmo com tratamento, não vai conseguir ficar. Por quê? Porque o trauma do burnout já ficou nele, já está instalado nele.”

A especialista diz que entre as queixas principais de pessoas que relatam que a saúde mental foi afetada pelo trabalho, as atividades que causam estresse são citadas. “O excesso de responsabilidade, o excesso de trabalho, o excesso de cobrança perante aos superiores, a ponto deles levarem trabalho para casa e não terem vida social. E isso atrapalha o sono, atrapalha a vida conjugal, a vida familiar”, diz.