Talvez seja esta a última crônica em louvor ao admirável Vovô Cachorro, sobre o qual esparramei emocionadas palavras neste espaço. Não que ele não merecesse inúmeras mais, considerando tudo de espetacular que ele viveu e proporcionou aos que com ele conviveram, por muito ou pouco tempo. Vovô era, no mínimo, popular. Onde quer que comparecesse, seu sucesso era garantido. Carismático, simpático, amoroso, brincalhão e tudo mais de bom a que tinha direito. Já não era “criança”, mas seu porte atlético, esbelto e belo, dava-lhe aparência de cachorro adulto muito bem conservado, como um tipo cinquentão com corpinho de toureiro espanhol. Vovô era assim, um toureiro!
Pouco antes da pandemia do Covid 19, porém, quando completou 12 anos, Vovô teve um problema de saúde resolvido com a extração de um cisto sebáceo e, um ano depois, mais outro. Recuperou-se muito bem dessas intervenções e rodou quilômetros sem qualquer sequela. Para susto geral, ano passado Vovô acusou um tumor maligno no baço, que foi controlado com quimioterapia e medicamentos. Nem por isso perdeu a fleugma: continuou altivo e disposto como se nada tivesse acontecido. Mas no início desse ano, o tumor do baço tomou conta do órgão e ele teve que se submeter a uma esplenectomia, que vem a ser o procedimento utilizado para remoção do órgão com o objetivo de reduzir a cormobidade e facilitar a recuperação. Nem um mês se passou e eis que Vovô, embora altruísta, teve que retornar à clínica veterinária, agora identificado tumor maligno no fígado, em estado avançado e impossível de controlar. Meio debilitado e sempre com estilo, Vovô permaneceu na UTI, saiu e logo depois voltou desenganado para nunca mais ter alta. Sedado e amparado pelo carinho de seus tutores, Bia e Antonia, mais Wagner e Márcia, sua efetiva família, Vovô simplesmente faleceu sem sofrimento na tardinha do dia 26, aos 15 anos.
Então a Antonia, minha neta de onze anos e cotutora do Vovô com a Bia, escreveu espontâneo depoimento de despedida, que, escondido dela, me atrevo reproduzir: “Escolhi guardar o som do latido distorcido do meu cachorro, porque ele quase não late e eu acho que, quando late, late diferente. E também porque o amo muito. Ele esteve comigo desde que nasci e até antes, quando eu ainda estava na barriga da minha mãe. Sempre comigo, exceto por um período em que meus pais tiveram que deixar Vovô na casa da minha avó Márcia porque, por minha causa, ele me mordeu no lábio quando eu era bem pequena. Mas nunca me afastei dele. Em 2023 ele teve uma doença grave e infelizmente ainda tem, pois não há como curar. Apesar de estar velho, Vovô é muito forte e sempre foi corajoso quando teve que passar por várias cirurgias. Este é o som do Vovô que eu quero guardar.”
PS: última foto do Vovô, pouco antes de partir para onde só os bons cães vão.
Jeremias Alves Pereira Filho
Sócio de Jeremias Alves Pereira Filho Advogados Associados; Especialista em Direito Empresarial e Professor Emérito da UPM-Universidade Presbiteriana Mackenzie. Araçatubense nato.