21 de novembro de 2024
Opinião

Baleias


| Tempo de leitura: 2 min

 

Baixa o jogo! É de graça! Inúmeros são os anúncios motivando pessoas a se distraírem com jogos divertidos e gratuitos. Ficou muito fácil jogar e muito acessível. Prazeroso, especialmente. Com sútil habilidade, as companhias apresentam seus aplicativos de jogos como inocente passatempo, sem custo inicial, apostando, todavia, na real probabilidade de alguns usuários se deixam enfeitiçar a ponto de se tornarem viciados em jogos. O vultuoso investimento em anúncios atraentes denuncia o big business que está por detrás dessas “inofensivas” brincadeiras.

Uma bem articulada, e diversificada, indústria está por detrás da promoção e divulgação das várias modalidades de jogos. Basicamente, as empresas seguem a mesma logística e exploram as comuns fraquezas da personalidade humana. Apresenta-se, primeiro, uma proposta inocente e divertida do jogo. Com habilidade, explora-se uma crescente necessidade existencial, o cidadão atual anseia por distrações. Estafado e entediado busca refugiar-se em descomplicados divertimentos. Inicialmente, gratuitos. Algumas companhias chegam a oferecer bônus para incentivar mais o recurso ao aplicativo. Exploram aquele subconsciente anelo de êxito e de vitória muitas vezes negado ou inexistente nas lidas cotidianas. Com fina perspicácia, o “inocente” recurso aos jogos administra ao jogador desiludido da vida, aquela serotonina virtual capaz de lhe elevar a autoestima e lhe proporcionar um autocomplacente bem-estar. Fisgado neste narcísico êxito, o iludido usuário tende a querer lograr novas e mais ambiciosas conquistas. Maquiavélicas, as matrizes chegam oferecer vantagens gratuitas, inclusive em dinheiro, para o empolgado jogador. Individualizado como dependente pelo rastreamento das plataformas, o usuário é habilmente induzido a apostar pequenas, e regulares, quantias de dinheiro pela satisfação de narcísicas conquistas. O resultado desse “irrisório” investimento é sobejamente conhecido: somando pequenas quantias diárias ou semanais chega-se a considerável saldo anual. Com dolosa fineza, esses jogadores fisgados recebem a alcunha de “baleias”, peixes ricos em serotonina! Economias familiares são desperdiçadas! Patrimônios empresariais são dissipados! Quando se dá por conta, o viciado se vê insoluvelmente endividado. A logística dessa indústria assemelha-se ao do pescador ambicioso que joga sua rede ao mar na torcida de pegar um belo de um salmão. Peixes miúdos descarta! Não há ética, por óbvio, nessa indústria de jogos. Justifica-se alegando que ninguém é obrigado a jogar. Aposta quem quer! Refinada astúcia. Infame cinismo!

A indústria de jogos é movida por vultuosos interesses e predadora ganância. Urge lembrar-se não existe jogo totalmente inocente. Que se saiba divertir, mas atenção, com disciplina e prudência. A rede está jogada. Contente-se em ser peixe pequeno. Capturadas, as baleias são, sem dó, sacrificadas.      

 

Padre Charles Borg é vigário-geral da Diocese de Araçatuba