22 de dezembro de 2024
CRÔNICA

A cocada da Valéria

Por Jeremias Alves Pereira Filho | Especial para a Folha da Região
| Tempo de leitura: 2 min
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Tudo começou em Água Limpa, centenário bairro fundado pelos imigrantes japoneses numa área afastada do centro da cidade, de boa terra e cristalina aguada. Perceberam que, por ali, era possível fazer o que bem sabiam fazer: plantar, cuidar e colher. Logo imigrantes italianos, vindos como colonos, também para lá foram, plantaram e conviveram amistosamente com seus colegas nipônicos. Mais tarde, migrantes baianos se estabeleceram como pequenos comerciantes, trabalhadores de campo e prestadores de serviços domésticos. E plantaram pimenta e coqueiros. O propósito evoluiu e se transformou num “cinturão verde”. Chácaras antigas e a vila dos colonos ainda estão preservadas no bairro. Não se sabe até quando. 

Numa velha casa de italianos trabalhava uma simpática baiana, hábil cozinheira e doceira, que, nas horas disponíveis, apanhava cocos no quintal e produzia milagrosa alquimia nos tachos de cobre, sob fogo brando de lenha. Deles saiam perfeitas cocadas branca e queimada, que a baiana espalhava num tabuleiro de madeira para esfriar e cortar em pequenas porções para sua menina de 12 anos vender na rua.

E lá ia a Valéria, magricela e perseverante, carregando o tabuleiro de cocada até acabar o estoque. Voltava para a mãe no fim da tarde com o tabuleiro vazio e os bolsos cheios. Claro, porque a cocada era magistral: tostadinha por fora e cremosa por dentro. Coisa de feitiçaria! Com o sucesso de vendas, o tabuleiro aumentou e a freguesia se estendeu aos bairros vizinhos, e, de quando em quando, até para o centro da cidade.

Era no tempo em que formigavam ambulantes vendendo cocada a granel, cortadas na hora com espátula de pedreiro, ou porcionadas quando oferecidas nos portões das principais escolas da cidade, nos horários do recreio ou de saída, especialmente no IE Manoel Bento da Cruz, Colégio do Dibo, Colégio das Freiras, Colégio dos Padres, Cristiano Olsen, José Cândido... Já os ambulantes profissionais faziam ponto nos dias de jogos de futebol do AEA ou Ferrinho no Adhemarzão ou nos sábados de futsal, na entrada da Quadra Cinquentenário.

E a menina foi crescendo e ampliando seu território para os bairros dos Jardins Jussara e Beatriz, para onde se mudou. Com o tempo, ninguém mais comprava cocada de tabuleiro e ela novamente teve que se moldar, passando a percorrer à pé as ruas da cidade para vender cones de doces trufados variadosapresentados numa bandeja colorida de plástico entre os braços magros. Só não perdeu o nome de guerra, pelo qual a cidade a conhece e admira: Valéria Cocada. 


Jeremias Alves Pereira Filho - Sócio de Jeremias Alves Pereira Filho Advogados Associados; Especialista em Direito Empresarial e Professor Emérito da UPM-Universidade Presbiteriana Mackenzie. Araçatubense nato.