De relance, no átimo permitido pela velocidade do automóvel, se foi vendo que havia à frente, no meio da estrada, um animal estendido e em movimentos, contudo sem se erguer. Velocidade reduzida, se pôde ir observando, sem que se parasse.?
Era um tamanduá a se debater na agonia da dor da morte no meio da rodovia.
Conquanto consternados e comovidos ante àquele quadro, revolta e impotência, se seguiu viagem, pois havia compromissos com horário estabelecido e o tempo de que se dispunha para chegar a tempo não autorizava se fazer outra coisa, senão manter o curso.
Esta, a condição imposta pela forma de ser da contemporaneidade. O imperioso do efêmero. Velocidade e instabilidade é seu comando. Nada mais há de serduradouramente sólido. Perenidade tornou-se obsolescência. Bens duráveis são daninhos ao crescimento econômico-financeiro dos empreendimentosmercadológicos do capitalismo da neomodernidade.
Certamente, está lá estendido na estrada o que fora um tamanduá teimoso, querendo desafiar a fúria da nevrose do tráfego, sendo transformado, depois do fatal atropelo, em massa informe enodoada de sangue enegrecido pelo intermitente massacre das máquinas-doidivanas. Estas bestas-feras movidas pela pressa determinada pela neomodernidade que não autoriza se apiedar de quaisquer bichos que, por qualquer motivo, possam lhes fazer perder sequer nacos de tempo.
Certamente aquele tamanduá empreendera, movido pela instintiva liberdade de ir e vir em busca do imprescindível alimento, a perigosíssima travessia. Seu sagrado habitat atravessado por rígido caminho da cor da noite. Noite que, tão logo chega, põe-no, ele e os demais conterrâneos da mata, a dormir.
Caminho com infindo rumor, noite e dia, de feras-máquinas rugindo sem parar. Em velocidade tamanha de que não capaz até mesmo o guepardo. Como então um tamanduá de pacato andar, de corrida parca, sair ileso do outro lado da mata?
Elas, as feras-máquinas, têm pressa, muita pressa, e nada lhes pode impedir. Quanto de mata, floresta, hortos florestais abatidos para se tornarem nestes caminhos? Quanto de animais selvagens, como esse tamanduá, foram, vêm sendo, vão ser abatidos, atropelados, escorraçados?
Quanto de pássaros obrigados a se arranjarem em cidades erigidas em sua natural morada, numa convivência conflituosa frequentemente de perseguições, de abatimentos, de reaprendizagens em defesa de sobrevivência realizada em permanente estresse em razão da escassez de árvores, várias das quais inadequadas à sua condição de ser? Desarvorados, muitos se aventuram a construir seu ninho em vãos e interstícios encontrados nalguns edifícios e casas, não sem interceptações de várias formas dos residentes. Decidem, por vezes, por lugares fora da lógica possível como, por exemplo, se viu e se acompanhou, um pica-pau, durante dias, na dura labuta de seu ninho num poste de aroeira ainda subsistente. Tamanho, pois, o desarvoramento a que se veem relegados.
Tantos e tantos foram, são e serão eliminados, vez que mais e mais (pássaros, matas, florestas, animais selvagens, certos cursos de rios, indígenas, quilombolas) figuram como empecilhos ao infindo, complexo e requintado desenvolvimento da civilização humana conduzida sob as rédeas de sua raça superior historicamente branca, e amarela cada vez mais em ascensão.
Tais feitos têm por argumento a sentença, segundo a qual são necessários e imprescindíveis para que a irreversível expansão da civilização humana tenha garantida sua progressão.
Os devastadores ciclones, tornados, tsunamis; as frequentes inundações demolidoras e mortíferas nada têm a ver com este expansionismo de desenvolvimento realizado. São fatais desde sempre, afirmam e reiteram os incréus aos laudos conclusivos das ciências, os quais decorrem de esmerada pesquisa.
Assim caminha a desumanidade.
Tito Damazo é professor, doutor em Letras e poeta, membro da UBE (União Brasileira de Escritores) e membro da AAL (Academia Araçatubense de Letras).