Bryan Belati
Criar histórias não é uma tarefa fácil. É preciso pensar nos personagens, no enredo, no local onde os fatos se desenvolvem e qual será o desfecho da narrativa.
E essas histórias são transformadas e documentadas na memória das pessoas. Algumas delas se tornam inesquecíveis, como é o caso da obra de Monteiro Lobato, escritor brasileiro que hoje completaria 139 anos. Ele faleceu de problemas cardíacos quase na metade do século 20, aos 66 anos, na capital paulista.
Autor de “O Sítio do Picapau Amarelo”, suas produções carregam uma visão nacionalista do todo, e retrata um universo de vilarejos decadentes, lugares populosos e os problemas enfrentados por esses povos. Seu estilo é definido como pré-modernista, pois os lançamentos antecedem a Semana de Arte Moderna.
HISTÓRIA
Nascido em Taubaté, cidade do interior de São Paulo, no ano de 1882, José Renato Monteiro Lobato era filho de José Bento Marcondes Lobato e Olímpia Monteiro Lobato.
Por conta de sua alfabetização ter acontecido em casa, com sua mãe sempre por perto, o garoto já desenvolveu um gosto pela leitura. Em sua casa havia uma biblioteca, e Lobato passava horas lendo livros infantis.
O acervo pertencia ao seu avô, José Francisco Monteiro, o Visconde de Tremembé. Filho do comendador Francisco Alves Monteiro, desenvolvia um trabalho na fazenda da família, além de ser empresário e também político.
Com isso, a leitura possibilitou que o menino pudesse chegar às próprias conclusões e desenvolver sua personalidade. Já aos 13 anos, passou a não aceitar mais as imposições dos pais, e se recusou a fazer a primeira comunhão. Sua família era católica.
Monteiro então seguiu para São Paulo, e iniciou seus estudos no Instituto de Ciências e Letras. Tratava-se de uma preparação para a faculdade de Direito, imposição de seu avô. Mas, na verdade, Monteiro nunca quis estudar direito. Sua paixão era a escrita.
No entanto, a graduação seguiu adiante, mesmo que contra sua vontade. Ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na capital paulista, e se formou em 1904.
Nesse mesmo ano, retornou a sua cidade natal após a morte de seu pai. Então, resolveu alterar seu nome, pois havia herdado um dos pertences de maior valor sentimental para ele, a bengala usada pelo patriarca da família por anos.
O objeto tinha as iniciais “JBML” gravadas, e não fazia sentido que o garoto utilizasse a bengala, pois essas não eram as iniciais de seu nome.
Assim, Lobato resolveu inovar. Foi ao cartório e pediu para que seu nome fosse alterado para José Bento, o mesmo que o pai, para que ele pudesse utilizar a tão especial bengala.
Mesmo com todas as tarefas que a vida de advogado exigia, o amor pela escrita nunca foi deixado de lado, muito pelo contrário. Porém, em 1907 Monteiro assumiu um cargo de Promotor de Justiça na cidade de Areias, no Vale do Paraíba.
Ao se mudar, conheceu aquela que viria a ser sua esposa, Maria Pureza da Natividade. O casal teve quatro filhos, sendo eles Marta, Edgar, Guilherme e Rute.
A atuação como promotor tomava todo o seu tempo. Porém, para não perder o hábito da escrita, passou a colaborar com jornais e revistas, com textos e caricaturas.
Em 1911, o escritor deixa a promotoria e volta a Taubaté. A fazenda Buquira, onde passou sua infância e parte da juventude, havia sido deixada de herança pelo avô. Ali começava uma nova fase na vida de Lobato.
ESCRITOR
Voltar às origens ajudou Monteiro Lobato a se reconectar com a escrita, visto que a sua paixão pela literatura nasceu naquela fazenda, mais especificamente na biblioteca do avô.
Por isso, passou a enxergar certas realidades e problemas sociais de uma maneira mais analítica, o que passou a pautar suas produções.
Um exemplo dessas produções mais humanitárias e críticas com relação ao que acontecia no Brasil é a carta “Velha Praga”, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo no final de 1912.
O documento se aproximava de um manifesto, e expunha a ignorância do caboclo, com críticas severas à prática de queimadas e a incapacidade de desenvolver agricultura na grande São Paulo e em cidades do interior do estado.
"Urupês", um artigo também publicado por ele, deu início a uma nova era em sua carreira como escritor, pois foi neste texto em que nasceu um dos personagens mais memoráveis criados por Lobato, o “Jeca Tatu".
O Jeca é a figura utilizada por ele para retratar a situação da população rural, suas necessidades, seus anseios e a falta de assistência do poder público com relação à saúde, ao atraso econômico e educacional.
O personagem se tornou um símbolo nacionalista utilizado por Rui Barbosa em sua campanha presidencial de 1918. Anos depois, o personagem se tornou um ícone do cinema nacional, interpretado por Mazzaropi.
Até então, tudo caminhava em perfeita harmonia. Mas Monteiro queria mais. Parecia que a fazendo havia ficado pequena para o quão grande ele almejava ser. Em 1917, após vender as terras de sua família, o escritor leva a esposa e os filhos para morar em Caçapava, município próximo a Taubaté.
Aquela era a cidade em que o escritor fundaria a revista "Paraíba", a qual teve 12 números publicados e teve Coelho Neto e Olavo Bilac como colaboradores. O projeto não vingou, o que obrigou Lobato e retornar à São Paulo, para colaborar para a "Revista do Brasil".
Na capital, tinha acesso a vários veículos de comunicação, e passou a escrever para vários jornais. Suas críticas eram severas para a época, mas colaboraram para o estopim do movimento modernista no Brasil, principalmente após a publicação de um artigo em que criticava a exposição de Anitta Malfatti.
Esse foi o acontecimento que mudou os rumos de Monteiro Lobato. Entusiasmado, ele compra "Revista do Brasil", onde trabalhava como colaborador, e se torna editor. A partir desse momento, o mundo estava aberto às suas produções e ideias.
LITERATURA
Após a publicação de seu primeiro livro, Monteiro Lobato, em sociedade com Octalles Marcondes Ferreira, funda a "Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato".
Com o racionamento de energia promovido pelo Governo de São Paulo na época, a editora foi obrigada a paralisar suas impressões, o que acarretou em falência meses depois.
Mas eles não desistiram. Venderam tudo o que pertencia à antiga editora para fundarem uma nova, a "Companhia Editora Nacional". Em um movimento de volta às origens, de quando vivia na fazenda com seus pais e o avô, o Visconde de Tremembé, Lobato decidiu seguir por um caminho diferente do que já havia feito: escrever livros infantis.
Ele e a família se mudaram para o Rio de Janeiro, e Monteiro passou a publicar seus livros. “A menina do narizinho arrebitado” foi o primeiro, em 1920. O sucesso da publicação levou o escritor a prolongar as aventuras de sua personagem em outras produções.
A maioria de suas histórias se passa no “Sítio do Picapau Amarelo”, onde vivem Dona Benta, seus netos Narizinho e Pedrinho, a funcionária Tia Anastácia. Outros personagens complementam as histórias, mas fazem parte da imaginação dos irmãos Narizinho e Pedrinho.
Dentre eles, estão Emília, a boneca que ganha vida, o boneco de sabugo de milho Visconde de Sabugosa, a vaca Mocha, o burro Conselheiro, o porco Rabicó e o rinoceronte Quindim.
Todos estes personagens aparecem em 23 publicações do autor, conhecida por “Coleção Sítio do Picapau Amarelo”. Ele ainda possui outros 29 livros publicados, de literatura adulta.
Em 1927, Monteiro Lobato é nomeado adido comercial nos Estados Unidos pelo então presidente Washington Luís. Ele morou em Nova Iorque até 1931.
COMEMORAÇÃO
Ontem (18) , também foi comemorado o Dia Nacional do Livro Infantil. A data foi escolhida justamente por ser o aniversário de Monteiro Lobato, promovendo assim uma homenagem ao pioneiro e pai da literatura infantil nacional.
É também o momento em que editoras, escolas, bibliotecas públicas e órgãos governamentais aproveitam para discutir a importância da literatura infantil na cultura brasileira.
Expor os problemas que ela enfrenta, divulgar as histórias bem-sucedidas dela, e realizar o lançamento de novos livros e autores do gênero.