24 de dezembro de 2025
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Esporte da família, Ranch Sorting registra novos adeptos ano após ano

Por Redação |
| Tempo de leitura: 14 min
CASAL EM PISTA João Flávio e a esposa Maria dos Anjos, em Avaré/ Arquivo Pessoal

Apartar (separar) o gado em ordem numérica. Assim começa o Ranch Sorting quando a res é sorteada e o locutor anuncia “pista liberada!”. Na pista, além da dupla de conjuntos (2 cavaleiros e 2 cavalos), 11 cabeças de gado numeradas de 0 a 9, o 11º é o chamado entreveiro e é em torno de quem gira toda a prova.

Surgida nos EUA entre 2006 e 2007, a prova do Ranch Sorting é considerada uma “modalidade nova” nos esportes equestres e se baseia na prática pecuária. “Também conhecida por ser um esporte familiar, conquistou espaço nas competições e entre os criadores e une a tradição do campo com a diversão em família”, explica o treinador Adriano Carani, 55 anos, de Araçatuba, que monta e treina cavalos há cerca de 40 anos, tendo iniciado aos 16 anos, na modalidade de Apartação. “Por ser um esporte rápido, no qual não apenas o cavaleiro importa, mas também o cavalo, é preciso que o competidor passe por treinamentos básicos, e que entenda as regras da modalidade”.

Segundo Carani, que também já foi praticante de laço em individual, laço em dupla e ainda pratica Team Penning (leia mais sobre a modalidade em reportagem nesta página) e Ranch Sorting e já foi ganhador do ABQM Awards (premiação concedida pela ABQM aos melhores e mais pontuados cavalos e cavaleiros e cada uma das modalidades), em 2008, qualquer raça de cavalo pode ser submetida ao treinamento para o Ranch Sorting. "Porém, o cavalo Quarto de Milha se destaca pela sua inteligência”. Para ele, todo o cavalo deve ser bem iniciado na doma, para que tenha um bom desenvolvimento no esporte, independentemente da modalidade na qual ele será treinado. “O cavalo é um atleta e cada qual com sua particularidade, e esta aí a importância de respeitar a individualidade, habilidades e desenvolvimento de cada animal”, afirma Carani.

UM CASAL NAS PISTAS

Pecuarista e competidora, a andradinense, mas que mora em Araçatuba, Maria dos Anjos Rodrigues dos Quirino de Moraes, 40 anos, compete desde 2008, aproximadamente. “As emoções são muitas: adrenalina, esporte praticado com a família, estamos sempre fazendo amigos novos e reencontrando amigos de infância através da modalidade do Ranch Sorting que está expandindo e tem um ambiente muito familiar”, diz. Ela, que começou a mexer com cavalos bem pequena ao lado do pai, apartando gado na fazenda, além de ter feito aulas de equitação e escolinha de tambor, voltou à ativa quando o filho mais velho, João Augusto, hoje com 16 anos, começou na escolinha de tambor. “Quando ele tinha 4 anos, começou a fazer aulas em Araçatuba e eu voltei a montar e competir no Team Penning e, logo depois, veio o Ranch Sorting”, diz Maria dos Anjos afirmando não ter ideia de quantas competições já participou. “Escolhi as modalidades, pois comecei a competir com meu filho e meu marido. São as que eu mais gosto!”, conta.

João Flávio Mariano Milhan, 40 anos, marido de Maria dos Anjos, também é pecuarista e competidor desde 2010. Ele já competiu em provas de corrida e também de Laço em Dupla. “Comecei a mexer com cavalos na adolescência, pois criávamos pôneis no quintal de casa. O Ranch Sorting e o Team Penning são as modalidades de que mais gosto, pois posso correr com a família e mexer com bois”, explica Milhan.

ATUAL CAMPEÃO DO CONGRESSO AMADOR

O médico veterinário araçatubense João Mário Geralde Passanezi, 48 anos, começou no Team Penning em 2009. “É muito difícil traduzir em palavras as emoções de correr o Ranch Sorting”, diz ele que treina duas vezes por semana e, se por algum problema não tiver treino, já sente falta “na hora”. “É uma terapia, um ambiente familiar, saudável, onde fiz e continuo fazendo muitos amigos”, conta Passanezi que tem diversos títulos tanto em categorias amadoras como abertas (onde todos, inclusive profissionais, competem). Dentre eles, destaque para Bicampeão do Congresso Brasileiro ABQM (competição que acontecerá em abril próximo, em Araçatuba) Amador de Ranch Sorting, em 2015 e 2019; e Bicampeão da Copa dos Campeões (competição que acontece em outubro próximo, em Araçatuba) Amador de Ranch Sorting nos anos de 2016 e 2017. “É simplesmente fantástico ter vivido tudo isso”, comemora ele que já faturou algumas motos com seus parceiros.

Para ele, continuar no meio do cavalo tem várias motivações. “A minha relação com minhas éguas me traz muita alegria e muita paz. Conseguir ensinar ao seu cavalo um movimento, treinar, exercitar e depois ver seu cavalo executando com perfeição algo que você ensinou, também é muito gratificante”, afirma o veterinário que costumava correr com a família. “As meninas foram crescendo e focando nos estudos, foram se afastando, hoje em dia elas gostam, acompanham, sabem montar e correr Ranch mas preferem não competir”.

Passanezi explica que o primeiro contato com os cavalos veio com o pai, que criava cavalos Mangalarga, mas parou a criação pouco antes dele se formar veterinário. “Sempre trabalhei em fazenda e tinha contato diário com cavalos mas, nunca em competições e nem com o cavalo Quarto de Milha. Em 2009, coloquei minha filha Luiza na escola de equitação do Adriano Carani e, foi ele quem me apresentou o team penning, me convidou para participar de um treino e depois desse treino, nunca mais parei”, diz ele que também afirma não ter ideia de quantas provas já participou estimando serem de 15 a 20 por ano. “A primeira vez que treinei Ranch Sorting já percebi que aquela era a modalidade que eu queria correr, pois simula algo que eu sempre fiz na fazenda. Agora, teria que ser feito contra o relógio. O Ranch sempre foi muito natural para mim, fácil de fazer. Difícil é ser a dupla mais rápida, que conclui a prova com o menor tempo”, finaliza.

ANIMAIS MAIS PRECOCES

Para o treinador de Araçatuba Edílson Bezerra Siqueira, 30 anos, com títulos em diversas modalidades, o Ranch Sorting chama a atenção dos seus clientes por ser uma prova muito família. “Pais e filhos podem correr, por exemplo, juntos. Isso agrega muito valor e mostra porque a modalidade cresce tanto”, pondera. Para ele, além de linhagens mais “avançadas” geneticamente, o trabalho de doma no tempo certo, assim como o treinamento adequado são muito importantes. “Aos 2 anos, já pode iniciar a doma, sendo que após 4 meses do início, já podemos colocar no boi”, explica. Existe uma categoria chamada cavalo iniciante, na qual os a partir dos 3 anos até o Potro do Futuro, aos 4 anos, são apresentados. “Isso está fazendo com que surjam talentos cada vez mais precoces”, finaliza.

MÉDICO

Diego Shiguemi Ikejiri, 38 anos, natural de Mirandópolis, é médico urologista na cidade de São Paulo. Competidor no Ranch Sorting desde 2016, costumava praticar Laço em Dupla. “É quase impossível não se apaixonar pela modalidade.

A emoção em apartar o gado de um curral para outro numa sequência numérica pré-determinada e no menor tempo possível é algo indescritível. Por ser tecnicamente mais fácil de ser realizada, permite que amadores possam competir com chances reais de ganhar”, afirma ele que também organiza provas em sua propriedade.

Sobre o meio do cavalo, o médico afirma que a alegria proporcionada pelos esportes equestres, além da emoção de estar em meio à natureza aliada à possibilidade de reunir amigos e familiares são fatores que o motivam. “Meus filhos ainda não correm comigo porque são pequenos, mas assim que estiverem maiores, pretendo incentivá-los”, conta Ikejiri que nasceu e foi criado no meio rural. “Sempre acompanhei meu pai na fazenda, porém me afastei desse meio quando fui fazer a faculdade em São Paulo”. Após formado, a paixão falou mais alto, e em 2011 começou a criar cavalos Quarto de Milha com maior dedicação ao Ranch Sorting, modalidade que escolheu, principalmente, devido ao ambiente agradável e familiar. “Associa-se a isso o baixo risco de lesões que esta modalidade proporciona ao competidor”, finaliza.

ENTENDA A PROVA

BOI CORRETO Diego Ikejiri separando o entreveiro (boi sem número) do boi da vez em prova em Presidente Prudente/ Ana Cenci/ @horsepics

Com 501 inscrições no Nacional de 2018, o Ranch Sorting é uma prova em que o gado é colocado em um curral (pista) em formato de 8, sendo dois círculos e, unindo estes dois círculos, uma “porteira” com vão medindo entre 3,87 e 4,70 metros. As pistas têm diâmetro que varia entre 15 e 18 metros cada uma, sendo primordial que sejam do mesmo tamanho. A prova é realizada em dupla e os competidores precisam apartar 10 cabeças de gado, numeradas de 0 a 9, de um lado para o outro do curral. A res sem número, chamado de entreveiro, não pode passar de um lado para o outro da pista, devendo ser mantido sempre no lado de onde o gado está sendo “retirado”.

A prova tem início quando o locutor avisa que a pista está liberada possibilitando aos competidores que um deles vá em direção à outra pista de onde o gado será apartado. Uma fotocélula dispara o cronômetro e, nesse exato momento, o locutor avisa qual será o primeiro número a ser retirado do curral e apartado para o curral oposto. Na sequência, serão retirados todos os outros números, até sobrar somente o entreveiro. Somente a título de exemplo, se o locutor “cantar” o número 3, deverão ser retirados, em sequência, os bois 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 0, 1 e 2.

Caso o boi entreveiro passe para o curral oposto, a dupla é imediatamente desclassificada. O mesmo ocorre caso o boi errado, e não o “da vez”, passe para o outro curral ou, ainda, algum boi que já passou para o outro curral “retorno” para o curral de onde estão sendo apartados. A prova é corrida por tempo, vencendo, assim, o menor tempo marcado pela fotocélula e que se encerra com a passagem do último boi. A fotocélula é comandada pelo juiz da prova, que vai “marcando” cada um dos bois “tirados” apertando um botão no manete da fotocélula.

“Desordem numérica, xingamentos, todo e qualquer tipo de maus tratos aos cavalos ou aos bois são motivos de desclassificação da dupla”, explica Carani. Vence quem conseguir ordenar o maior número de cabeças de gado em menor tempo. Para quem é do meio, o temido SAT (Sem Aproveitamento Técnico) indica o final da prova com penalidade, não contando o tempo.
Fica a cargo da organização da prova decidir se o tempo a ser corrido será de 60, 75 ou 90 segundos. Normalmente, devido ao grande volume de inscrições, o tempo corrido é de 60 segundos na maioria das categorias, havendo exceções para iniciantes, por exemplo. Há que se salientar também que, na saída da pista, há inspeção por juiz oficial e que este, ao verificar sangue no animal ou embocaduras não permitidas, desclassifica a dupla.

O competidor mais jovem na modalidade no ano passado foi Pedro Hernandes Gandolfo, então com 4 anos, e o mais experiente Prudêncio Lázaro Thomaz, de 72. No ano passado foram 102 disputas oficializadas. Nas cinco provas oficiais foram distribuídos R$ R$ 338.395,12 em prêmios.

ATUAIS CAMPEÕES DO CONGRESSO ABERTA

Os treinadores e competidores Dimas Donizete Siqueira, 39 anos, e Juviliana Aparecida da Silva, 30, atualmente com Centro de Treinamento em Birigui, são os atuais campeões da categoria aberta do Congresso da ABQM, ocorrido em abril passado. Dentre 96 duplas, eles alcançaram o lugar mais alto do pódio no evento. “Agora estamos na expectativa para o Campeonato Nacional, que será no parque de Araçatuba. É um orgulho ser quartista e participar de um evento tão grande como este”, afirma Siqueira.

Segundo Siqueira e Juviliana, o Ranch Sorting chama muito a atenção, principalmente dos pais e jovens, pois podem correr pais e filhos, parentes e entre amigos. “Não há nenhum perigo, em momento algum e o esporte une muito todos participantes. Somos todos família em pista”, explicam.

Alex Saleta trouxe o Ranch Sorting para o país

NOS EUA Alex Saleta (de preto) aguardando para competir nos EUA, nas Finais Mundiais da RSNC, de Ranch Sorting/ Cristina Fernandes/ Colaboração

Foi pelas mãos do empresário e competidor araraquarense Alex Saleta, 62 anos, em 2008, que o Ranch Sorting veio para o Brasil. Assim como a maioria das modalidades, o Ranch veio da lida no campo e foi criado nos EUA por volta de 2006. “Dave Wolf, hoje presidente da RSNC.US (Ranch Sorting National Championship dos Estados Unidos), que fora juiz da AQHA (American Quarter Horse Association – Associação Americana do Cavalo Quarto de Milha) conta que tiveram muitas dificuldades nos ensinamentos e na implantação da modalidade”, explica Saleta. Entretanto, ainda em 2006, começou um grande crescimento e hoje, nos EUA, são cerca de 30 mil filiados à RSNC, mais de 500 eventos por ano e uma Final Mundial que ocorre todos os anos em Fort Worth, no Texas. Este ano, nas finais que tiveram a participação de brasileiros inclusive no pódio, foram 7,8 mil passadas corridas em 7 pistas, simultaneamente. Em uma semana de prova, foram utilizadas 2,8 mil cabeças de gado.

Saleta, que é o presidente da RSNC Brazil, compete desde 1993. Começou no Team Penning, passou por modalidades como Três Tambores, Apartação, Working Penning e hoje, tem no Ranch Sorting sua grande paixão. “Monto em cavalos desde criança, pelo puro prazer de montar”, explica ele que começou a tomar gosto mesmo aos 17 anos, quando, já trabalhando, comprou seu primeiro animal. “Eu ia trabalhar a cavalo todos os dias e, nas folgas, ajudava os peões de propriedades vizinhas a lidar com o gado”.

Ganhador de diversos títulos, considera cada um deles muito importantes. “No Ranch Sorting, já fui campeão nas categorias Aberta, Amador, Master e Awards ABQM em eventos como Congresso, Campeonato Nacional, Copa dos Campeões e Potro do Futuro da ABQM. Fui o primeiro ganhador na categoria Potro do Futuro de Ranch Sorting na Aberta e Amador, em 2009”, relembra. “Tudo que envolve equinos me fascinava desde a infância. Aprendi muito com meu avô, que era refugiado de guerra. Ainda hoje, aprendo todos os dias com esses seres fantásticos”, revela Saleta. Ao se deparar com as competições, o envolvimento foi imediato. “Tudo que era novidade, eu corria atrás para saber como funcionava. Foi assim que fiquei sabendo do Ranch Sorting, em 2007 e fui atrás para saber como funcionava”, conta Saleta. Em 2008 foi realizado o primeiro evento da modalidade no Brasil e, desde então, Saleta viaja o país fomentando o esporte. “Em abril de 2009, junto à área de Esportes da ABQM, realizamos uma apresentação no Congresso. Praticamente desde então, o crescimento desta modalidade na Associação tem sido vertiginoso”, explica.

Mas por que tanto crescimento? “Por permitir, de forma indiscriminada, a participação de todos em um ambiente controlado com riscos mínimos, e não ser uma modalidade cara e nem elitizada”, afirma Saleta. “Nesse ponto, o modelo da RSNC, que trabalha com handicaps (um identificador numérico que qualifica cada participante tem de acordo com seus ganhos e experiência), permite ainda mais igualdade entre os participantes, já que os menos experientes adquirem um ‘bônus’ de tempo (de acordo com o handicap que possuem) que lhes permite concorrer em pé de igualdade com os mais experimentados”, explica. Segundo Saleta, nos EUA, tudo o que fazem é em função de igualdade com as crianças, iniciantes, proprietários, dos mais idosos e consequentemente para os centros de treinamentos e seus treinadores de pessoas e cavalos. “Uma indústria muito forte nos EUA”, pondera.

A partir de quantos anos se pode participar? “A idade em que a criança já estiver montando, sem restrições. Temos participantes de 5 a 70 anos, ou mais, aqui no Brasil”, conta Saleta. Ele explica que os riscos são mínimos quando a altura da pista é adequada e firme o suficiente para aguentar algum encosto mais forte do gado; o piso é seguro, sem ser escorregadio; existe proteção na divisão entre os currais; que o gado utilizado seja condizente com a modalidade em raça e tamanho; que o animal montado seja controlado com facilidade e sem exageros.

Buscando sempre colaborar para o aprimoramento da modalidade, Alex Saleta, por meio da RSNC.US, tem trazido renomados treinadores americanos para oferecer cursos no Brasil. “O treinador Dave Schaffner, mais pontuado no ranking da RSNC.US, veio duas vezes ao Brasil e a receptividade foi fantástica”. Por outro lado, há cinco anos, competidores brasileiros têm a oportunidade de ir ao Texas participar das finais mundiais. “Aqueles que correm pelo modelo da RSNC no Brasil, estão habilitados a competir em Fort Worth, em junho”, finaliza.