HABITAÇÃO

Prefeitura propõe brecha para classe média acessar moradia social em SP

'O mais importante é a fiscalização. A inclusão de critérios para fiscalização é muito positiva, pois hoje não há', diz especialista.

Por Clayton Castelani e Túlio Kruse | 22/03/2023 | Tempo de leitura: 5 min
da Folhapress

Reprodução/Tomaz Silva/Age?ncia Brasil

O texto foi entregue pela prefeitura nesta segunda-feira (20) à Câmara Municipal.
O texto foi entregue pela prefeitura nesta segunda-feira (20) à Câmara Municipal.

A nova proposta de revisão do Plano Diretor de São Paulo prevê mudanças que permitem incluir famílias com renda mais alta em empreendimentos voltados para a HIS (Habitação de Interesse Social) e a HMP (Habitação de Mercado Popular), que recebem incentivos fiscais para que o mercado oferte moradias mais baratas e elegíveis a financiamentos com juros mais baixos para a população mais pobre. O texto foi entregue pela prefeitura nesta segunda-feira (20) à Câmara Municipal.

Além disso, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) sugeriu critérios que possibilitarão ao município fiscalizar se esse tipo de habitação está, de fato, sendo ocupada por famílias enquadradas nos critérios de renda exigidos.

De acordo com o projeto, a condição de HIS ou HMP, com a obrigação de destinar o imóvel para o perfil correto de renda, ficará gravada na matrícula do imóvel. É com base nesse mecanismo que a prefeitura poderá fiscalizar e aplicar punições a empreendedores que não cumprirem a regra.

O aumento nos mecanismos de fiscalização do destino das unidades de habitação social é uma cobrança antiga de urbanistas, que lembram que a prefeitura, ao conceder incentivos para o mercado construir essas habitações, perde dinheiro sem ter a garantia de que os imóveis chegarão a família que mais precisam.

Em setembro, a Folha de S. Paulo mostrou que um prédio com financiamento do extinto Minha Casa Minha Vida, sobre o terreno de uma antiga favela da Vila Madalena, de onde foram removidas mais de cem famílias no início dos anos 2000, virou em parte "hotel" com diária de R$ 800.

No mês seguinte, a reportagem também constatou, em visita a estantes de novos empreendimentos, que imóveis destinados a pessoas de baixa renda podem ser na prática vendidos para qualquer interessado, inclusive investidores, com o uso de "laranjas" com renda familiar menor. O Ministério Público abriu inquérito civil na época para apurar eventuais ilegalidades na comercialização de unidades.

"O mais importante é a fiscalização. A inclusão de critérios para fiscalização é muito positiva, pois hoje não há", diz Bianca Tavolari, professora do Insper e uma das coordenadoras do Observatório do Plano Diretor.

Imóveis HIS e HMP foram concebidos para a população de menor poder aquisitivo, mas o mercado pouco tem ofertado esse tipo de habitação, principalmente para a categoria de renda mais baixa.

No caso das habitações de interesse social, o critério para a faixa 1, que é de até três salários mínimos por família, passa a contar com a opção de que seja considerada a renda de até meio salário mínimo por pessoa. Na faixa 2, que é de três a seis salários mínimos por família, há a opção de que seja considerado o critério de um salário mínimo por pessoa.

Para a HMP, que hoje contempla quem recebe de seis a dez salários mínimos, a proposta é para que sejam consideradas aptas famílias com renda de até um salário mínimo e meio por pessoa.

"É uma regra que permite que uma família numerosa, mesmo com uma renda um pouco mais alta, possa ter acesso a empreendimentos mais baratos", explica Tavolari.

No caso de uma HIS 1, por exemplo, o teto de R$ 3.906 poderia ser rompido por uma família com sete membros, cujo cálculo da remuneração de meio salário mínimo por pessoa (R$ 651) resultaria numa renda total de R$ 4.557.

Para o vereador Rubinho Nunes (União Brasil), presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, a modificação atende um grupo de classe média que "estava em uma zona cinza", que não tinha condições de comprar imóveis de padrão elevado, mas também não poderia ser enquadrado nos critérios de habitação de interesse social.

É importante que a revisão abra uma brecha para a inclusão de famílias mais numerosas, segundo o professor e pesquisador Adriano Borges Costa, do Laboratório Arq. Futuro de Cidades do Insper. "Faz sentido do ponto de vista da necessidade de adensamento de bairros onde há mais infraestrutura urbana", explica.

Costa considera, porém, que o critério de renda por pessoa precisa ser reduzido, pois a proposta da prefeitura contemplaria grupos muito numerosos. "Da forma como está, um recém-formado que ganha R$ 3.700 por mês ainda conseguiria entrar no HIS 1, mas uma empregada doméstica casada com um pedreiro, mãe de três filhos, e com renda familiar de R$ 4.000 não teria acesso a esse imóvel."

Há diversos incentivos para que uma habitação enquadrada como HIS seja mais barata. Entre as quais, a possibilidade para que o construtor não pague a outorga onerosa e possa, assim, construir, pela regra atual, até quatro vezes a área do terreno. Pela proposta de revisão, o potencial construtivo ainda é ampliado em 50%, ou seja, para seis vezes. Aprovado em 2014, o Plano Diretor é responsável por dar as diretrizes para o crescimento da cidade.

Um dos instrumentos para adequar esse plano a novas necessidades na ocupação do município é a revisão obrigatória no meio da vigência da regra. O atual processo de revisão foi iniciado em 2021, mas sofreu paralisações devido à pandemia da Covid-19.

Retomado no início deste ano, a revisão ainda precisará ser votada em dois turnos na Câmara. Existe a expectativa de que o processo esteja concluído ao final deste semestre.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirma que as alterações propostas para o Plano Diretor trazem avanços para o cumprimento dos Objetivos e Diretrizes da Política de Desenvolvimento Urbano.

Com relação às unidades habitacionais, a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento diz que o município já prevê "controle sobre a destinação das unidades", e que o projeto propõe aperfeiçoamentos sobre esse controle.

Propostas para o Plano Diretor
- Faixa de renda
Como é no plano atual

A HIS (Habitação de Interesse Social) é destinada a famílias com renda total de até 3 salários mínimos (faixa 1); de 3 a 6 salários mínimos (faixa 2); e de 6 a 10 salários mínimos para a HMP (Habitação de Mercado Popular)

Qual é a nova proposta
Passa a existir a opção para que seja considerado a renda por pessoa, de meio salário mínimo, para a HIS 1, e de um salário mínimo, para a HIS 2; para a HMP, a renda é de um salário mínimo e meio

- Fiscalização
Como é no plano atual

Não há regras efetivas para a fiscalização e punição a construtores que utilizarem os benefícios fiscais da HIS e da HMP e não destinarem os imóveis à população de baixa renda Como é a proposta de revisão da prefeitura

- Qual é a nova proposta
Ficará gravado na matrícula que o imóvel é uma HIS ou uma HMP e a prefeitura poderá fiscalizar e aplicar punições a empreendedores que não cumprirem a regra.

Fale com a Folha da Região! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção? Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Araçatuba e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.